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RD Congo: “Memórias que Curam” com o teatro

Crianças sequestradas e treinadas como soldados, meninas arrebatadas e forçadas a serem "esposas", aldeias inteiras reduzidas a cinzas. Entre 2008 e 2011, várias comunidades na província Orientale, no nordeste da República Democrática do Congo (RDC), foram surpreendidas por ondas de extrema violência resultantes da presença do Exército de Resistência do Senhor. Em aldeias como a de Banda, algumas pessoas ficaram seriamente traumatizadas pelas atrocidades que presenciaram. Porém, com a ajuda da apresentação de peças teatrais, os habitantes desta aldeia estão aprendendo a se recuperarem juntos. Reportagem fotográfica de Pierre Buingo, da delegação do CICV em Kisangani, e do fotógrafo freelance Martin Van der Belen.

Estigma e trauma

"Gaspard tinha apenas 10 anos quando uns homens o arrebataram de nós e o levaram para a mata. Por dois anos, minha mulher e eu ficamos devastados. Seu retorno em 2012 trouxe imensa alegria para a família, mas esta alegria foi passageira: nosso filho se comportava de forma muito estranha. Estava completamente diferente. Até os vizinhos e seus amigos passaram a evitá-lo. Ver o estado em que meu filho se encontrava tornou minha vida insuportável", revela Gilbert (54 anos), um líder religioso de Banda que veio assistir a uma peça de teatro em uma aldeia próxima.

"Esta peça de teatro me ajudou a entender melhor o comportamento do Gaspard. Os vizinhos também mudaram sua atitude para com ele: eles agora ficam contentes quando veem o Gaspard brincando com seus filhos".

Banda

Banda é um das várias aldeias no Território Ango, província Orientale, no nordeste da República Democrática do Congo. Desde o final de 2008, comunidades inteiras desta parte do país foram exterminadas por ondas de extrema crueldade e violência, resultantes principalmente da presença do Exército de Resistência do Senhor. Os grupos armados têm estado menos ativos desde 2011, entretanto, continuam sendo alvos de operações militares frequentes e as marcas que deixam são muito profundas. Desde 2012 o CICV vem administrando um programa de apoio psicossocial na região para todos aqueles afetados pela violência – sejam de forma direta ou de forma indireta.

Apoio às vítimas por meio do teatro

Desde 2012, voluntários da Sociedade da Cruz Vermelha da RDC, líderes religiosos e professores encenam peças de teatro populares que abordam vários temas relacionados com traumas. "As peças são um meio de expressão, educação e conscientização para as comunidades locais. Elas retratam os sinais dos traumas causados pela violência e os perigos e as consequências do estigma que sofrem as pessoas afetadas", explica Samuel, que dirige um grupo de teatro da Cruz Vermelha.

"As soluções para os problemas psicológicos das vítimas encontram-se dentro da própria comunidade. Através do teatro, os membros da comunidade podem conectar-se com a questão e compartilhar ideias sobre como ajudar as pessoas que foram afetadas pela violência de alguma maneira".

As peças abordam uma ampla variedade de assuntos, inclusive as experiências das vítimas, sua volta para casa, os estigmas, atitudes de ajuda que a comunidade pode ter e o tratamento terapêutico. O objetivo é modificar a atitude das pessoas em relação aos sobreviventes da violência. Uma sessão de perguntas e respostas permite que a audiência interaja com os terapeutas psicossociais presentes e propor soluções aos problemas descritos na peça. Estas obras são muitas vezes encenadas de manhã cedo ou ao entardecer, para não interromper o trabalho nos campos.

Sequestrado

Jean-Paul é um dos atores voluntários no grupo de teatro da Cruz Vermelha. Ele tem 35 anos de idade e quatro filhos. Sequestrado uma vez por homens armados, Jean-Paul vê a representação teatral como uma forma de aliviar seu sofrimento. "Eles chegaram à nossa aldeia no meio da noite. Roubaram tudo o que tínhamos em casa", conta. "Minha vida foi poupada porque eles encontraram coisas para levar. Meu tio e eu fomos forçados a levar as coisas que roubaram. Andamos vários quilômetros mata adentro e então eles nos deixaram ir antes do nascer do sol. Se meus filhos tivessem estado comigo naquela noite, eles teriam sido sequestrados, porque o que aqueles homens mais procuravam, eram crianças".

*O nome foi trocado

Amadores

"Nenhum de nós estudou teatro na escola, nem fez cursos de representação. Nossa única experiência com o teatro era ver peças na igreja. Elas não eram frequentes e normalmente eram encenadas durante as festividades cristãs mais importantes, como o Natal e a Páscoa, para mostrar passagens bíblicas", conta Wivine, uma atriz do grupo de teatro de Banda. Esta reservada mulher de meia-idade se transforma no palco, quando representa o papel de uma mãe arrasada pelo sequestro do seu filho.

"Com o curso oferecido pelo CICV, somos capazes de producir peças de teatro que transmitem mensagens importantes sobre a difícil situação enfrentada pelas vítimas e o apoio psicossocial que elas podem obter", ela acrescenta.

Outra iniciativa

As autoridades religiosas na aldeia formaram há pouco tempo seu próprio grupo de teatro para abordar a questão da violência e seu impacto na comunidade. O elefante de bambú, um acessório usado pelo grupo durante a apresentação, faz todo mundo rir.

Uma região isolada

A aldeia de Banda fica no território Ango, no distrito de Bas-Uéle. Localizada a mais de 800 quilômetros de Kisangani, capital da província, ela fica escondida nas profundezas da floresta equatorial. Possui uma população estimada de 13,5 mil habitantes e ocupa uma área de sete mil quilômetros quadrados.

A estrada que conecta Banda com o norte e o sul está em péssimas condições. O isolamento da região dificulta seu desenvolvimento e o seu acesso à assistência humanitária. A comunidade também conta com meios de comunicação muito limitados; há dois serviços locais de comunicação por rádio, administrados por empresas privadas, e uma estação de rádio comunitária. A única forma que as equipes do CICV têm para chegar a Bana é por avião, o qual deve pousar em uma curta pista de terra aberta no meio de um campo.