Relatório

CICV apoia acolhimento de crianças e adolescentes migrantes

Doações para responder à pandemia e possibilidade de falar com familiares

363.594
Depoimento
Balanço Humanitário 2020

Jeremy* ainda era criança quando perdeu a mãe, vítima de um acidente na Venezuela. Hoje com 15 anos, ele tem memórias duras demais para um adolescente. "Meu pai me abandonou e eu fiquei meses na rua", disse o garoto, acolhido no abrigo para adolescentes do sexo masculino, em Boa Vista, capital de Roraima.

Em uma tarde de 2020, ele conseguiu falar por telefone com a avó na Venezuela. O telefonema, disponibilizado pelo programa de Restabelecimento de Laços Familiares (RLF) do CICV, emocionou os dois, que tinham se visto pela última vez quase um ano antes. "Me sinto feliz quando falo com ela", descreveu o adolescente, com os olhos ainda úmidos.

Desde 2018, o CICV realiza em Roraima o programa de RLF, que assiste migrantes em pontos fixos e volantes em Boa Vista e Pacaraima. Esse serviço não foi interrompido durante a pandemia. Em 2020, foram feitos em média 410 telefonemas de até 3 minutos por dia, totalizando 363.594 mil ligações como a de Jeremy, que não tem outra forma de se comunicar com a família .

Foto: Adriana Duarte/CICVCrianças migrantes jogam xadrez em Abrigo Masculino Juvenil de Boa Vista. Foto: Adriana Duarte/CICV

Além do RLF, o CICV também apoia a resposta das autoridades locais às consequências humanitárias da migração. O apoio ao acolhimento e à proteção de crianças e adolescentes desacompanhados se tornou um dos pontos centrais deste trabalho, disse o chefe do escritório do CICV em Boa Vista, Michael Pfister. Eles são adolescentes, na maioria meninos com 13 anos ou mais, que têm dificuldades para contatar as famílias e, em alguns casos, perderam completamente o contato depois que chegaram ao Brasil.

"Como a resposta das autoridades geralmente é focada na população mais numerosa, nas famílias, com pai, mãe, as crianças e os adolescentes desacompanhados se tornaram um caso particular de uma população que precisa muito de apoio, já que são uma população muito vulnerável", disse Pfister.

Em 2020, o trabalho do CICV com crianças e adolescentes vulneráveis foi especialmente necessário. Para ajudar na prevenção da Covid-19, o CICV doou mais de 1.655 itens de limpeza e higiene pessoal aos cinco abrigos que recebem cerca de 90 crianças e adolescentes brasileiros e migrantes em situação de vulnerabilidade.

Foto: Adriana Duarte/CICV

Música como ferramenta de integração

O apoio também ocorreu através da música. Em agosto, o CICV doou instrumentos musicais e jogos pedagógicos para o abrigo de adolescentes. Desde então, eles têm tido aulas práticas e teóricas. Esta é a primeira experiência da maioria deles com a música.

"A música é uma forma de dar liberdade que os ajuda a criar laços afetivos entre si", disse Roberto Melo, diretor do Departamento de Proteção Especial (DPSE) da Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social (Setrabes). Ele também destaca o apoio dado pelo CICV nos abrigos. "As doações de materiais de limpeza e higiene foram essenciais na pandemia."

Oscar, de 17 anos, é um dos beneficiados pelo programa de RLF do CICV no abrigo juvenil masculino. Na primeira vez que ligou para casa, ele estava há um ano sem falar com a família na Venezuela. "Minha mãe achava que eu tinha morrido e ficou emocionada", disse Oscar, que atualmente mantém contato semanal com ela e com um irmão que migrou para o Peru. "Ajuda a aliviar a saudade."

Foto: Adriana Rodriguês/CICV

Crochê para acalmar

Outra atividade que tem aliviado os jovens que vivem longe de casa é o crochê. "Um dia, eu cheguei no abrigo e disse: Meninos, eu sei fazer tapetes de crochê. Se alguém tiver interesse em aprender, eu ensino", contou Elizabeth Leite, que trabalha no acolhimento de adolescentes desacompanhados em Boa Vista.

Angel e Joseph, ambos de 17 anos, logo se interessaram. Em uma semana, aprenderam a manusear as linhas e a agulha, e desde então se dedicam diariamente à fabricação manual de tapetes. "É como um calmante", disse Joseph, que contou a novidade à avó, na Venezuela. "Ela ficou muito contente e me disse para continuar assim."

Incluído no projeto Plantando Sonhos, que, além das aulas de música, oferece atividades que podem gerar remuneração dentro do abrigo juvenil masculino, o crochê também se tornou uma fonte de renda para os garotos. Eles podem usar o dinheiro das vendas para comprar itens pessoais ou acumular os valores para receber quando saírem do abrigo."O crochê ajuda a meditar e a pensar na vida", resumiu Joseph. "E, como fazemos para vender, também é uma ajuda financeira."

*Nomes fictícios usados para preservar a identidade dos entrevistados.

Foto: Adriana Rodriguês/CICV