Artigo

Covid-19 e conflito: obtendo acesso mais seguro em parceria com a Cruz Vermelha do Níger

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), em estreita cooperação com as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, criou o Marco para um Acesso Mais Seguro (AMS) entre 2002 e 2003. O AMS ajuda as Sociedades Nacionais a se preparar e responder de forma segura e eficaz às necessidades humanitárias em contextos delicados e inseguros.

O AMS é relevante para as Sociedades Nacionais sempre, e não apenas em situações de violência, pois obter e manter o acesso seguro é fundamental. Para obter acesso, porém, as Sociedades Nacionais devem ganhar a confiança e a aceitação das pessoas e das comunidades necessitadas e daqueles que controlam o acesso a elas.

O AMS pode ajudar as Sociedades Nacionais a enfrentar desafios ligados à percepção, à aceitação, à segurança e ao acesso, onde e quando quer que surjam, e a lidar com os riscos para a segurança das suas operações diárias. Para garantir sua relevância, as medidas do AMS são atualizadas constantemente, de acordo com as experiências das Sociedades Nacionais.

O exemplo do Níger

As Sociedades Nacionais que já conhecem o AMS tiveram uma vantagem na resposta à pandemia da Covid-19. Os voluntários da Cruz Vermelha do Níger têm tido acesso seguro desde o começo da pandemia. Adamou Amadou Tidjani, coordenador de comunicações da Sociedade Nacional, tem a convicção de que em grande parte isso se deve ao estabelecimento de contatos nas comunidades com base nos princípios de comunicação do AMS.

Cientes da importância de engajar as comunidades com respeito pelas suas crenças culturais e religiosas, Amadou e sua equipe organizaram anúncios de televisão e rádio imediatamente após o começo do surto da Covid-19. "Esses anúncios foram muito importantes para obtermos acesso seguro", afirma Amadou. "Eles ajudaram a conscientizar as pessoas sobre o papel da Sociedade Nacional na resposta à Covid-19".

Voluntários da Sociedade Nacional foram treinados não apenas para usar equipamentos de proteção individual (EPI), mas também para explicar a familiares e líderes religiosos como realizar enterros seguros e dignos durante a pandemia. O treinamento foi fundamental para superar a resistência encontrada pelos voluntários no começo da pandemia, quando as pessoas não aceitavam completamente medidas de controle de infeções, especialmente nos enterros.

"Em algumas ocasiões, as famílias mantinham uma atitude hostil e ameaçadora até o final do caminho para o cemitério", conta Mahamadou Moussa Ide, voluntário da Sociedade Nacional. "Contudo, nós continuamos explicando a importância de se proteger e oferecemos apoio psicossocial àqueles que perderam familiares para a Covid-19. Conseguimos até persuadir alguns a usarem EPI para poderem comparecer aos enterros".

"Nas comunidades onde estávamos trabalhando e nos lugares onde já tínhamos organizado atividades e utilizado o AMS para explicar o mandato da Cruz Vermelha, as pessoas conheciam o significado do emblema", afirma Amadou.

"Nossos coletes da Cruz Vermelha e nossa forma de dialogar com as pessoas também ajudaram. As pessoas nos outorgaram acesso e nosso trabalho foi aceito. Produzimos vídeos sobre a estigmatização e sobre enterros, para demonstrar que respeitávamos os costumes e as crenças religiosas das pessoas. De fato, agora, por causa da pandemia, mais pessoas conhecem a Cruz Vermelha do Níger".

Mahamadou concorda: "Nas comunidades onde a Sociedade Nacional era praticamente desconhecida, as pessoas – com muita suspeita – jogavam pedras contra nós. Mas nós utilizamos o que tínhamos aprendido com o AMS para explicar-lhes o que fazíamos e como fazíamos. Por causa disso, ganhamos acesso e o espaço para fazer nosso trabalho".

"Conseguimos responder até mesmo em áreas com condições de segurança voláteis, locais como Tillaberi, na fronteira com o Mali e com Burkina Faso. Nossos voluntários estavam bem preparados. Realizamos avaliações de risco e observamos procedimentos estritos. As famílias foram notificadas das nossas visitas e desinfetaram suas casas com antecipação; familiares preocupados foram informados de como os ritos funerários seriam adaptados. Chegamos a muitas comunidades em todo o país de forma segura".

Próximos passos

O AMS faz parte do compromisso de longo prazo do CICV com o fortalecimento das capacidades das Sociedades Nacionais e com o suporte às suas iniciativas de engajamento com as comunidades e a prestação de serviços humanitários. Como acontece no Níger, as Sociedades Nacionais de todo o mundo aplicarão os princípios do AMS para desenvolver uma comunicação bilateral, como base para gerar confiança e estimular a aceitação e a segurança, precursoras do acesso seguro, criando assim soluções com base na comunidade.

A pandemia da Covid-19 apresenta um conjunto de desafios sem precedentes para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, mas também gerou oportunidades para o Movimento colocar em prática seu conhecimento sobre o AMS e otimizar sua resposta a uma importante crise de saúde pública.