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Gaza, Israel e Cisjordânia: O devastador custo humano parece não ter fim

Os dois cessar-fogos trouxeram um pouco de descanso aos civis em Gaza e no sul de Israel, em meio à esperança de que uma suspensão duradoura das hostilidades possa ocorrer. Em Gaza, estas interrupções nos confrontos mal deram tempo para que as pessoas buscassem atendimento médico, se reabastecessem de alimentos e de água ou procurassem pertences perdidos entre os escombros.

O presidente do CICV, Peter Maurer, visitou Gaza, Israel e Cisjordânia de 5 a 7 de Agosto. Durante a sua visita a Shujaia, na Cidade de Gaza, ele viu com os próprios olhos a massiva devastação causada pelo combate. "Este conflito deixou um número de vítimas inaceitável entre a população civil. As partes do conflito têm obrigações segundo o Direito da Guerra. Testemunhamos sérias discrepâncias entre essas obrigações e a realidade no terreno e estamos determinados a comprometer-nos com as partes em um esforço para impedir que isso volte a acontecer", afirmou. "As partes em conflito e a comunidade internacional têm a responsabilidade coletiva de criar um ambiente conducente para os esforços humanitários sustentáveis onde mais se necessitam. O CICV se compromete a ajudar as comunidades dizimadas a se recuperarem, mas a recuperação exige mudanças tangíveis – incluindo um maior respeito pelo Direito da Guerra, pelo trabalho humanitário e pelos profissionais que o realizam em quaisquer circunstâncias".

Em Gaza, mais de 1,9 mil pessoas foram mortas e cerca de 10 mil feridas em 37 dias de intensas hostilidades. Estima-se que mais da metade das vítimas sejam civis e pelo menos 25% delas crianças. Os mais vulneráveis – crianças, idosos, doentes e feridos – estão pagando o preço mais alto. Em Israel, 77 pessoas (sendo três civis) foram mortas e outras 551, feridas. Enquanto a vida nas comunidades do sul de Israel foi alterada pelo lançamento diário de foguetes, pelo menos 400 mil pessoas foram deslocadas dentro da área de Gaza afetada pela guerra, onde literalmente nenhum lugar oferecia segurança durante as hostilidades nas áreas mais densamente povoadas desse enclave costeiro. Mais de 16 mil casas estão inabitáveis, muitas das quais foram reduzidas a escombros.

Este conflito deixou um número de vítimas inaceitável entre a população civil. As partes do conflito têm obrigações segundo o Direito da Guerra.

A infraestrutura, já degradada antes das hostilidades, foi gravemente danificada, com redes elétricas e de água e esgotos com enormes estragos. Como mais de 80% dos lares estão sem eletricidade, a maioria dos habitantes de Gaza agora depende do abastecimento irregular realizado por caminhões-pipas que trazem água desde fontes minguantes. Os hospitais estão repletos de pacientes feridos que, por mais que se recuperem, não têm para onde ir. Os profissionais médicos estão exaustos, os geradores deixaram de funcionar e os estoques de remédios e materiais médicos descartáveis estão em níveis perigosamente baixos.

É muito fácil esquecer que cada pessoa que passa a ser parte de uma estatística de mortos e feridos é um ser humano, com familiares que estão sofrendo, preocupados ou amargurados pelo que está acontecendo. Milhares de lares danificados ou destruídos representam a perda de uma vida inteira de trabalho duro e esforço para a mesma quantidade de famílias. As pessoas vivem com o constante medo de uma morte violenta.

Em Israel, milhares de foguetes causaram mortes , feridos e estragos em propriedades civis no sul do país e geraram constante tensão para as pessoas que residem ali. Várias áreas adjacentes a Gaza foram evacuadas.

Os colaboradores do CICV no terreno trabalham intensamente desde o início do conflito. A organização busca manter o seu diálogo bilateral com as partes do conflito, lembrando-as sobre as suas obrigações segundo o Direito da Guerra de proteger civis e objetos civis, e de cuidar dos feridos. Na Cisjordânia, o CICV continua monitorando o uso da força pela potência ocupante e insistindo na necessidade de se respeitarem os padrões internacionais para manter a lei e a ordem e a segurança pública. O CICV também dá continuidade às atividades que realiza para ajudar pessoas presas em relação com o conflito, assim como aos seus esforços para restabelecer o contato entre essas pessoas e as suas famílias.

Prioridades para ação humanitária

Ao mesmo tempo em que o CICV faz o máximo para levar proteção e assistência à população civil, os seus esforços estão limitados por um ambiente no qual as normas e os princípios do Direito Humanitário Internacional (DIH) não são efetivamente defendidos e onde não existe o respeito pela ação humanitária.

1) Saúde

Ajudar a levar doentes e feridos ao hospital e apoiar o trabalho desses estabelecimentos são atividades vitais realizadas pelo CICV dia e noite. Durante todo o conflito, a organização se esforça para garantir que as pessoas obtenham o atendimento médico que necessitam. Os esforços incluem:

  • proporcionar ajuda financeira e material médico para os serviços médicos de emergência do Crescente Vermelho Palestino;
  • coordenar o trânsito seguro de ambulâncias nas zonas afetadas pelo conflito e a evacuação de pacientes, com as autoridades em dezenas de oportunidades;
  • doar 16 kits de cirurgia de guerra (cada um contendo material médico suficiente para tratar de 50 pacientes feridos graves ou 1,5mil pacientes com ferimentos menores), remédios, equipamento cirúrgico, 850 sacos mortuários, 20 macas, 68 leitos hospitalares, 129 cadeiras de roda, 1.325 muletas, 455 andadores, roupa de cama (lençóis, gazes estéreis, batas) para oito hospitais, compressas cirúrgicas e 200 kits de primeiros socorros;
  • distribuir combustível para ambulâncias e geradores em hospitais e ajudar a entregar o combustível doado pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNWRA);
  • doar material para curativos e fluidos intravenosos a vários serviços de ambulância;
  • ajudar o hospital Al Aqsa a atender as vítimas de um bombardeio, para que esse pudesse ao menos oferecer tratamento de emergência aos pacientes antes de serem transferidos pelo Crescente Vermelho a outros hospitais;
  • designar ao hospital Al Shifa um médico do CICV especializado em medicina de emergência e um cirurgião cardiovascular;
  • enviar uma equipe de cirurgia composta de um enfermeiro para sala de cirurgia, um anestesista, um enfermeiro para atender as alas e um cirurgião-geral para ajudar a lidar com o influxo de vítimas;
  • cumprir o papel protetor em nome do Crescente Vermelho e de organizações de defesa civil, levando os doentes e feridos ao hospital;
  • trabalhar para facilitar a entrada em Gaza de material médico procedente do Ministério da Saúde Palestino e do Crescente Vermelho em Ramallah ou de outras organizações;
  • providenciar a entrega de sete caminhões carregados de material médico, incluindo três mil bolsas de sangue, do Ministério da Saúde em Ramallah ao centro de armazenamento de material médico em Gaza;
  • ajudar os hospitais Al Shifa e Al Nasser a melhorarem os cuidados pós-operatórios;
  • trabalhar para facilitar a entrada em Gaza de material médico procedente de Médicos Sem Fronteiras (MSF);
  • facilitar a evacuação de 69 pacientes de Gaza, realizada pelo Ministério da Saúde, para que recebessem atendimento na Cisjordânia ou em Jerusalém Oriental; e
  • doar um gerador para o escritório do Ministério da Saúde responsável por encaminhar pacientes para fora da Faixa de Gaza.

Para evitar mais danos aos civis, o CICV:

  • ajudou a proteger os estabelecimentos de assistência à saúde e de armazenamento de material médico, trabalhando com todas as partes em conflito a fim de evitar causar estragos aos mesmos;
  • levou as suas preocupações aos beligerantes no que se refere a hospitais como o Al Wafa e o Al Aqsa, que sofreram os efeitos das hostilidades, e as ambulâncias que trabalham no terreno;
  • monitorou e coletou informações sobre a conduta de hostilidades, por qualquer lado, que causam preocupação; e
  • coordenou as suas atividades com outras organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e Médicos Sem Fronteiras (MSF).

2) Água e saneamento

O CICV:

  • tomou medidas para assegurar que cerca de 370 mil pessoas tivessem acesso permanente à água e ao saneamento desde o início do conflito;
  • ajudou a avaliar e consertar infraestruturas de abastecimento de água danificadas (e, atendendo a pedidos, também acompanhou técnicos que não eram do CICV para garantir a sua segurança);
  • concentrou-se em recuperar fontes de água potável entregando combustível para as estações de bombeamento de água da Cidade de Gaza e para as plantas de dessalinização de Gaza;
  • elaborou planos para consertar ou substituir sistemas geradores de emergência para hospitais com baixa capacidade de geração de eletricidade;
  • avaliou e ajudou a consertar a infraestrutura elétrica para recuperar fontes de energia alcançando - até o momento - 60% do nível anterior ao início da guerra;
  • trabalhou em estreita colaboração com a comissão local de recursos hídricos para monitorar a condição dos centros de abastecimento e distribuição de água e dos sistemas de esgoto;
  • instalou pontos de distribuição de água que fornecem água em potável em locais onde as comunidades de deslocados retornaram às suas casas danificadas;
  • realizou consertos de emergência em Beit Hanoun e Rafah para recuperar a energia elétrica; e
  • levou água potável ao hospital Kamal Edwan para coleta pelo hospital Beit Hanoun.

3) Ajuda

Desde o início do conflito, o CICV trabalha em estreita colaboração como o Crescente Vermelho Palestino para atender as necessidades vitais dos desabrigados. A intensidade sem precedentes do conflito deslocou mais de 400 mil pessoas, muitas das quais buscavam segurança. A magnitude do deslocamento modificou o foco dos esforços conjuntos de assistência do CICV e do Crescente Vermelho Palestino para levar ajuda emergencial básica às pessoas que foram obrigadas a abandonas as suas casas – artigos de primeira necessidade e alimentos (quando não entregues por outras organizações). O CICV:

  • apoiou a avaliação do Crescente Vermelho sobre as necessidades das pessoas deslocadas que moram em abrigos provisórios (escolas do governo ou particulares, igrejas, mesquitas etc.) que não receberam ajuda de emergência de outras organizações; e
  • até o momento, distribuiu colchões, cobertores, galões, baldes, artigos de higiene e fraldas para mais de 17,5 mil pessoas deslocadas em 16 abrigos provisórios diferentes e para outras 6.550 pessoas que se encontram vivendo em abrigos informais ou hospedadas em casas de familiares.

O atual cessar-fogo permitiu que o CICV e o Crescente Vermelho Palestino retomassem as avaliações das necessidades de pessoas cujos lares foram completa ou parcialmente destruídos pelos bombardeios aéreos ou de artilharia. Um plano de ação conjunta do CICV e do Crescente Vermelho Palestino para ajudar milhares de famílias, uma vez que as hostilidades sejam suspendidas, está sendo elaborado.

4) Trabalho com a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino e Magen David Adom

  • O Crescente Vermelho Palestino levou um total de 2.625 feridos ao hospital e 461 corpos a morgues desde o início do conflito. Em mais de 35 casos, o CICV tomou medidas para garantir que o Crescente Vermelho tivesse acesso a áreas particularmente inseguras e proteção enquanto realizava as suas tarefas humanitárias.
  • O CICV disponibilizou mais fundos e outros recursos ao Crescente Vermelho Palestino, que fez um apelo público de doações. O Crescente Vermelho Palestino também recebeu até agora 2,73 milhões de francos suíços em ajuda para o CICV.
  • O Crescente Vermelho Palestino utiliza 42 ambulâncias que têm como base cinco estações localizadas na Faixa de Gaza, para levar pessoas feridas ou doentes ao hospital. Além disso, administra hospitais na Cidade de Gaza e em Khan Younis, um centro de reabilitação em Khan Younis e seis centros de atendimento médico menores. O CICV apoia este trabalho.
  • O CICV e o Crescente Vermelho (com mais de 400 voluntários) realizam uma operação conjunta enfocada em levar ajuda emergencial e oferecer abrigo aos habitantes de Gaza que foram deslocados.
  • O CICV e Magen David Adom realizaram muitas viagens conjuntas ao terreno com o objetivo de monitorar as necessidades em Israel. O CICV continua coletando informações sobre incidentes envolvendo a população civil e bens civis.

É fundamental contar com um estoque estável de material e equipamentos médicos para salvar vidas. Desde o início das hostilidades, o CICV entregou ou providenciou a distribuição dos seguintes artigos em Gaza:

  • 117 paletes de material médico (suficiente para tratar centenas de pessoas) para distribuição pelo Crescente Vermelho;
  • 12 caminhões carregados de material médico e bolsas de sangue para uso do Ministério da Saúde.

5) Atividades para civis e detidos

  • O CICV continua lembrando as partes em conflito sobre as suas obrigações de respeitar o Direito Internacional Humanitário (DIH), em especial, ao tomarem os cuidados constantes para poupar a população civil, objetos civis e as infraestruturas indispensáveis para a sobrevivência da população civil, e ao permitirem e facilitarem o acesso rápido e desimpedido de ajuda humanitária. As atividades centrais do CICV, tais como as visitas a detidos e a prestação de serviços de busca de pessoas, são realizadas para aqueles que têm o direito de serem protegidas segundo o DIH.
  • Durante o conflito, o CICV monitorou e coletou informações sobre incidentes nos quais houve suspeitas de que o DIH não fora respeitado. Nestes casos o CICV apresenta um relatório abrangente às autoridades competentes e passa a acompanhar a questão de perto.
  • O CICV monitora a transferência de pacientes de Gaza para Israel e outros lugares. A organização também se esforça para descobrir o paradeiro de pessoas desaparecidas.
  • Os funcionários do CICV entregaram recentemente mais de 200 mensagens de familiares aos detidos de Gaza (a imensa maioria fora detida antes a última operação militar). As visitas aos detidos nos presídios de Ramon, Nafha e Eshel, em Israel, ocorreram na semana passada. O CICV também pediu para ser notificado sobre pessoas capturadas durante a atual operação militar e ter acesso às mesmas.

O CICV está muito preocupado com o material bélico não detonado ou abandonado que se encontra espalhado nas áreas onde ocorreram os confrontos. Estes explosivos perigosos resultaram na perda de várias vidas desde a suspensão das hostilidades ativas. O CICV pretende avaliar a situação com mais profundidade e, se necessário, apoiar as autoridades nos seus esforços no sentido de solucionar este problema.

Mais informações:
Nadia Dibsy, CICV Jerusalém, tel: +972 52 601 91 48
Erika Tovar, CICV Jerusalém, tel: +972 52 60 19 150 ou +972 59 89 35 468
Ran Goldstein, CICV Tel Aviv, tel: +972 52 27 57 517
Nada Doumani, CICV Genebra, tel: +41 22 730 37 23 ou +41 79 447 37 26