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Brasil: Cuidando de quem cuida

No Norte do Brasil, CICV apoia cuidadores de abrigos que acolhem crianças e adolescentes

São muitos os desafios de cuidar de crianças e adolescentes em um abrigo. Soma-se a isso a tensão com a pandemia de Covid-19, doença de fácil contágio e que pode se agravar. Pensando em cuidar do bem-estar de quem trabalha diante desses desafios, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) fez uma avaliação psicológica e organizou pela primeira vez no estado de Roraima uma oficina voltada a esses profissionais de uma linha de frente importante: a do acolhimento.

"É essencial que esses profissionais possam receber preparação e apoio adequados para que se sintam bem emocionalmente, além de poder oferecer um cuidado de qualidade às crianças e adolescentes", explica a responsável pelo programa Saúde Mental e Apoio Psicossocial do CICV para Brasil e países do Cone Sul, Renata Reali. "Atuar na linha de frente de serviços de acolhimento de crianças e adolescentes podem vivenciar situações de dificuldades, estresse, angústias devido à natureza de seus trabalhos."

No estado fronteiriço de Roraima, norte do Brasil, o CICV trabalha para responder às consequências humanitárias da migração – tanto sobre a população migrante como a população acolhedora. Essa realidade de fluxo migratório também mudou o cenário dos abrigos de Boa Vista. Se anos atrás, crianças e adolescentes eram brasileiros, hoje a maioria dos abrigados e abrigadas é composta por migrantes, que trazem em sua bagagem um novo idioma, uma nova cultura, e, muitas vezes, histórias difíceis seja do seu local de origem, seja da jornada até o Brasil.

Oficina voltada aos profissionais responsáveis pelo acolhimento de crianças e adolescentes em Roraima. Foto: Tiago Orihuela/CICV

"Quando nós recebemos a adolescente, o maior desafio no momento é aquele primeiro trabalho acolhedor que a gente faz", conta Nilza de Souza, cuidadora do abrigo feminino de Boa Vista (RR) há nove anos. "O impacto maior nas nossas vidas é que a gente vê como nosso trabalho faz a diferença: sobreviventes de todas as formas de violência, e a gente consegue, na maioria das vezes, devolver a dignidade daquelas meninas, assegurando e mantendo os direitos que elas têm diante do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como agora nessa migração."

Esse trabalho, no entanto, traz um custo emocional para quem lida com situações difíceis. "Já teve dia em que pensei: 'hoje eu vou desistir', porque eu estava achando muito pesado, porque trabalhamos com públicos de vários tipos. Você precisa ter todo um emocional para saber lidar vários tipos de situação", relata Leidimar Peixoto, cuidadora em abrigos há 20 anos.

Para Nilza, Leidimar e outros 50 cuidadores de abrigos em Boa Vista (RR), ser percebido/a com humanidade e não com "super poderes" em uma oficina de cuidados psicossociais, com espaço seguro de troca de experiência e aprendizagem de técnicas de gestão do estresse foi fundamental. "A gente vive se desgastando psicologicamente, fisicamente, emocionalmente muito mais ainda. Porque você lida com situações bastante difíceis lá dentro. Então a gente luta muito para que haja esse cuidado com o cuidador", explica Nilza Souza.

Momento de dinâmica com as cuidadores dos abrigos. Foto: Tiago Orihuela/CICV

"O CICV começou a entender que as pessoas precisavam ser cuidadas também, principalmente aquelas que estavam no contato direto com os abrigados", explica a psicóloga Mariana Fraga Pfister, que conduziu a oficina com os cuidadores como facilitadora. "Além de ser uma ação preventiva, também é para ajudar ao que já sentem. Então, como pedir ajuda, quando reconhecer que precisa de ajuda, desmistificar a saúde mental."