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Desaparecidos no Brasil e América Latina: música para continuar buscando mesmo em tempos difíceis

No Brasil e outros países das Américas, a cada ano aumenta o número de pessoas desaparecidas na sequência dos conflitos armados do passado o do presente, situações de violência armada, crises de migração, desastres naturais e pandemias que afetam a região. Este ano, em aliança com a organização Playing For Change apresentamos um clipe musical no qual participaram mais de 15 artistas da região em homenagem às famílias das pessoas desaparecidas.

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As pessoas desaparecidas poderiam estar vivas ou mortas, enterradas em locais dos quais não há informações, em necrotérios sem identificar, inconscientes em hospitais, sequestradas, na prisão ou detidas.

À medida que este fenômeno cresce, a passagem do tempo continua sendo crucial para os milhares de familiares que buscam desesperadamente entes queridos desaparecidos. É um caminho longo e cheio de dificuldades, mas que eles percorrem sem desistir, mesmo que nada garanta que encontrarão uma resposta. Desde sua visão, suspender a busca seria como abandonar seus entes queridos para sempre.

Tanto as pessoas que desaparecem quanto seus familiares são vítimas. A frustração de buscar e bater em muitas portas sem obter respostas produz problemas físicos, emocionais e psicossociais, aos quais se somam dificuldades legais, administrativas e econômicas. Esta incerteza deixa milhares de familiares mergulhados em um abismo permanente de angústia que os impede de reconstruirem suas vidas, o que representa uma das consequências humanitárias mais prejudiciais e duradouras.

Conjunturas como a doença por COVID-19 adicionam novos desafios e complexidades à situação no Brasil e na América Latina, tanto no tratamento apropriado dos corpos das pessoas falecidas para evitar novos desaparecimentos, quanto no impedimento que tiveram que enfrentar muitas famílias nos processos de busca, devido às restrições de movimento impostas na maioria dos países e também pela deterioração, em muitos casos, de sua situação econômica.

Mesmo em tempos de COVID-19, milhares de familiares de pessoas desaparecidas continuam trabalhando e apoiando-se mutuamente na busca de seus entes queridos.

Brasil: a dor que não pode ser explicada

Brasil registrou mais de 80 mil casos de desaparecimentos de pessoas por ano. As circunstâncias dos desaparecimentos são múltiplas e o fenômeno está envolvido em um contexto de violência que afeta pessoas de diferentes perfis, em todo o território nacional.

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Foto: Marizilda Cruppe / CICV

Encontro de familiares de desaparecidos promovido pela instituição Mãe da Sé em São Paulo.

As autoridades brasileiras trabalham para implementar uma Política Nacional de Busca e um Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas previstos por lei. No entanto, diante das dimensões do país e da problemática, são necessários muitos mais esforços para que todas as instituições relevantes estejam coordenadas e possam garantir uma resposta aos casos de desaparecimento e às necessidades de seus familiares.

O grande número de possíveis explicações para o desaparecimento de seus entes queridos gera um elevado nível de incerteza aos familiares de pessoas desaparecidas, o que afeta a sua saúde mental e física. Os efeitos da ausência aumentam com o desgaste decorrente das muitas ações de busca que devem realizar, ante a ausência de uma autoridade central que ofereça informações sobre as pesquisas. Em consequência, as famílias assumem riscos e ficam vulneráveis tanto economicamente, porque suportam as despesas da busca, quanto administrativa, legal e psicologicamente.

Embora o caso esteja presente na mídia e tenha sido tema de novelas, os diferentes aspectos da problemática e suas duras consequências para as famílias das pessoas desaparecidas ainda são pouco conhecidos.

No Brasil, o CICV fez recomendações às autoridades nacionais, estaduais e municipais, em especial em Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro, Roraima e São Paulo com o objetivo de melhorar a gestão de pessoas falecidas, garantir o respeito da sua dignidade e dos seus familiares, bem como evitar um aumento dos desaparecimentos.

Como o Brasil é um dos países mais afetados pela COVID-19, superando em agosto as 115 mil mortes, o CICV incentiva o apoia as autoridades para aumentar sua capacidade de manter os registros das pessoas falecidas não identificadas ou identificadas, mas não acompanhadas, para que não se tornem pessoas desaparecidas para seus familiares.

Quando ocorre um desaparecimento no Brasil, é recomendado informar o fato imediatamente ao departamento de polícia mais próximo. Não é necessário aguardar 24 horas.

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Colômbia e um desafio muito atual: seis pessoas desaparecem a cada dia

Na Colômbia ainda há mais de 120 mil pessoas desaparecidas. Para o CICV, encontrar as pessoas que desapareceram por causa do conflito e a violência continuará sendo um dos desafios humanitários mais importantes para o país nos próximos anos.

Os novos desaparecimentos dificultam a resolução deste desafio. De acordo com os dados levantados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, entre janeiro e agosto de 2020 houve uma média de seis pessoas desaparecidas por dia no país.

Este é um dado preocupante levando em conta as dificuldades atuais que enfrenta a Colômbia no contexto de emergência da COVID-19 para atender oportunamente as denúncias, ativar ações de pesquisa e para que as famílias tenham acesso à institucionalidade.

A isso se somam outros dois elementos preocupantes: por um lado, diversos atores armados restringem a livre circulação de civis no meio da pandemia, o que faz com que muitas famílias não possam sair para realizar as diligências relacionadas com seus familiares desaparecidos. Por outro, muitos familiares de pessoas desaparecidas dependem de economias informais, as quais foram afetadas durante a pandemia, situação que os colocou no debate entre sair a procurar o meio de subsistência diário ou se dedicar à busca de seus entes queridos.

Foto: Laura Aguilera Jiménez / CICV

Mãe e avó de Eliana Quintero, desaparecida na Colômbia em 2007.

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Peru: envolver o Estado e com enfoque humanitário

De acordo com dados oficiais, estima-se que 21.793 pessoas desapareceram durante o período de violência acontecido no Peru entre 1980 e 2000.

Pais, mães, irmãos, parceiros, filhos e amigos sofrem até hoje por não saber o que aconteceu com seus entes queridos, a maioria dos quais provavelmente se encontre em algum dos locais de sepultamento registrados a nível nacional ou, na melhor das hipóteses, afastado dos seus entes queridos.

Foto: José Atauje / CICV

A incerteza se instala na vida de milhares de famílias peruanas, que não sentirão paz de espírito até saberem o que aconteceu com seus entes queridos desaparecidos.

Em algumas províncias do Peru, foi encontrado um desses locais a cada três quilômetros quadrados. A incerteza está instalada na vida de milhares de famílias peruanas, que não terão tranquilidade até saber o que aconteceu, se eles estão vivos ou mortos e, quando for possível, recuperar os corpos dos seus entes queridos, sepultá-los e poder realizar os rituais correspondentes de acordo com a sua religião e costumes.

Foto: José Atauje / CICR

Para enfrentar um desafio de tal dimensão e complexidade, é necessário contar com um mecanismo que ofereça uma resposta estatal integral às necessidades dos familiares das pessoas desaparecidas. A Lei de Busca de Pessoas Desaparecidas, promulgada em 2016, promove, por meio da DGBPD (Direção Geral de Busca de Pessoas Desaparecidas), ações que permitam gerenciar a busca, recuperação e identificação das pessoas desaparecidas, bem como retornar os corpos aos respectivos familiares e propiciar a realização de enterros dignos.

Por outro lado, por meio de um decreto legislativo promulgado em 2018, o Peru propiciou a criação de um banco de dados genético, cujo objetivo é implementar um arquivo sistemático de informações genéticas dos familiares das pessoas desaparecidas e dos restos de ossos recuperados durante o processo de busca.

No Peru, a pandemia e suas consequências também agravam a situação das famílias que sofreram o desaparecimento de um ente querido. Muitos dos seus processos de busca foram interrompidos ou adiados, e eles mesmos têm outras preocupações urgentes que atender, como a sua saúde. No entanto, mais uma vez, os familiares demonstraram a sua capacidade para encontrar maneiras de avançar e se fortalecer entre organizações, sendo solidários, procurando e oferecendo ajuda econômica, demonstrando apoio solidário e criando estratégias para continuar a busca.

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Foto: José Atauje / CICV

Mais de 20 mil pessoas desapareceram durante o período de violência que ocorreu no Peru entre 1980 e 2000.

México e América Central: conflitos do passado, violência do presente

O desaparecimento de pessoas é e foi um dos grandes desafios humanitários no El Salvador. No ano passado, a Procuradoria Geral recebeu diariamente uma média de nove denúncias de pessoas desaparecidas, enquanto mais de um milhar desapareceram na rota migratória. Estes casos se somam aos de entre 8 mil e 10 mil salvadorenhos desaparecidos durante os anos do conflito armado, de acordo com estimativas de autoridades estatais e organizações da sociedade civil.

 Membro da família de uma pessoa que desapareceu durante uma manifestação na Cidade do México, em comemoração do Dia do Desaparecido CICV/B. Ilhas

Membro da família de uma pessoa que desapareceu durante uma manifestação na Cidade do México, em comemoração do Dia do Desaparecido CICV/B. Ilhas

Ainda não existem dados consolidados, mas a quantidade de salvadorenhos desaparecidos pela onda de violência na última década no país superará a quantidade de pessoas desaparecidas durante os 12 anos de conflito armado. Quase três décadas após a assinatura dos acordos de paz, a não repetição continua sendo difícil de conseguir.

Embora existam avanços positivos para enfrentar o problema do desaparecimento, ainda há muito a fazer. Os familiares não são reconhecidos legalmente como vítimas e não recebem ajuda econômica do Estado, apesar de suas necessidades. Ainda não existe um registro único de pessoas desaparecidas e de corpos não identificados que facilite o processo de busca e identificação. As agências estatais encarregadas do processo de identificação e acompanhamento em saúde mental frequentemente se encontram ultrapassadas, pois a demanda supera, por muito, sua capacidade financeira, humana e de infraestrutura.

Na Guatemala, desapareceram cerca de 45 mil pessoas durante o conflito armado e 40 mil famílias ainda aguardam uma resposta sobre o paradeiro de seus entes queridos. Nos anos posteriores ao conflito armado continuaram se registrando milhares de desaparecimentos na sequência de outras situações de violência.

Familiares de pessoas que desapareceram devido ao conflito armado na Guatemala se reúnem para apoiar sua esperança de conhecer o destino de seus entes queridos. CICV/F. Panetta

Familiares de pessoas que desapareceram devido ao conflito armado na Guatemala se reúnem para apoiar sua esperança de conhecer o destino de seus entes queridos. CICV/F. Panetta

O desaparecimento de pessoas em Honduras tem diversas causas: situações de violência, desastres naturais, perigos da rota migratória e fatos do passado que continuam sem ser resolvidos. Não existe um registro detalhado e extenso sobre pessoas desaparecidas. No relatório da CIDH (Commission interministérielle de droit humanitaire) sobre a Situação dos Direitos Humanos em Honduras 2019, o Estado mencionou que, desde 2012, contava com um registro de 499 casos de hondurenhos desaparecidos, dos quais foram identificados 36 falecidos e 46 com vida. De acordo com dados dos Comitês de Familiares de Migrantes Desaparecidos, para finais de 2019 tinham sido registrados 741 casos.

Hector tinha 19 anos quando decidiu migrar em 2012. Corina faz parte de um comitê de familiares e não parou de procurar seu filho desde que perdeu o contato com ele. CICV/J. Serrano

Hector tinha 19 anos quando decidiu migrar em 2012. Corina faz parte de um comitê de parentes e não parou de procurar seu filho desde que perdeu o contato com ele. CICV/J. Serrano

No México, mais de dois anos após a entrada vigor da Lei Geral em Matéria de Desaparecimento, um dos grandes desafios humanitários que enfrenta esse país é obter uma resposta nacional e coordenada acerca da problemática das pessoas desaparecidas e seus familiares. Isto implica o fortalecimento do Sistema Nacional de Busca, a criação do Sistema Único de Informações Tecnológicas em Informática (SUITI) e a aprovação do protocolo homologado de busca, entre outros procedimentos de identificação forense.

Guadalupe mantém o quarto de seu filho desaparecido em Chilpancingo, México, para que quando ela voltar, ela possa encontrá-lo como o deixou. CICV/F. Diaz

Guadalupe mantém o quarto de seu filho desaparecido em Chilpancingo, México, para que quando ela voltar, ela possa encontrá-lo como o deixou. CICV/F. Diaz

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Foto: Francesco Panetta / CICV

Na Guatemala, 40 mil famílias ainda estão esperando por uma resposta sobre o paradeiro de seus entes queridos.

Foto: Marizilda Cruppe / CICB

Lucila Maria França da Costa, irmã de Leonardo França da Costa, desaparecido.

O desaparecimento em números:

A ausência de dados unificados na Colômbia não permite contar com um número exato de pessoas desaparecidas. No entanto, na Unidade de Busca de Pessoas Desaparecidas, a partir dos estudos do Centro Nacional de Memória Histórica, estima-se que há cerca de 120 mil pessoas desaparecidas em decorrência do conflito.

Por parte do CICV, após a assinatura do acordo de paz, entre janeiro de 2017 e agosto de 2020, foram documentados 2.047 casos de desaparecimento, dos quais 444 correspondem a desaparecimentos acontecidos neste período . Isto significa que a cada quatro dias é desconhecido o paradeiro de uma pessoa, a causa do conflito armado no país.

No Peru, 21.793 pessoas desapareceram durante o período de violência acontecido em 1980 e 2000, de acordo com dados atuais do Registro Nacional de Pessoas Desaparecidas e Locais de Sepultamento.

Na Guatemala, devido aos conflitos armados, estima-se que mais de 45 mil pessoas desapareceram e, no El Salvador, a estimativa é de entre 8 mil e 10 mil .

No México, mais de 73.316 pessoas continuam desaparecidas de acordo com as últimas estimativas ; na Guatemala, de acordo com fontes oficiais, entre janeiro de 2016 e outubro de 2017 foram informadas 9.088 pessoas desparecidas, das quais 6.474 continuam sem aparecer. No El Salvador, de acordo com dados oficiais, entre 2017 e 2019 foram informadas mais de 8.100 pessoas desaparecidas.

Um Registro Nacional sobre Pessoas Desaparecidas ainda está sendo construído no Brasil. Os dados disponíveis até agora correspondem ao número de registros de pessoas desaparecidas dos Secretários estaduais de Segurança Pública, informados ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) desde 2017. Nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública é indicado que de 2007 a 2016 foram registrados 694.007 casos, e que em 2017 e 2018 foram registrados 83.701 e 82.094 casos, respectivamente. Esses números não refletem as subnotificações nem os casos resolvidos, mas são uma primeira indicação das dimensões do problema no país.

[1] Coleta de casos que não são anteriores a 2017.
[2] CONABÚSQUEDA. Plano Nacional de Busca de Pessoas Adultas Desaparecidas no Contexto do Conflito Armado do El Salvador. O número é apenas uma estimativa, já que algumas famílias não registraram seus casos e não existe um registro consolidado.
[3] https://versionpublicarnpdno.segob.gob.mx/Dashboard/ContextoGeneral

 

Sub-registro de desaparecimentos: um problema histórico

Os dados não devem ser considerados como absolutos, devido ao sub-registro histórico de casos, não apenas porque muitas das famílias não recorrem à institucionalidade para realizar a denúncia do desaparecimento de seus entes queridos por medo de rejeição, estigmatização ou represálias de grupos armados, mas também pelas dificuldades que o mesmo sistema impõe, o que acaba intensificando as barreiras de acesso à justiça.

Por exemplo, no meio da pandemia, muitos funcionários em diferentes países da região trabalham desde suas casas (o que significa que não há muitas pessoas atendendo as linhas de atendimento telefônico) e se vão aos escritórios, o fazem em horários reduzidos.

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Dificuldades na gestão de restos mortais e os desaparecimentos administrativos

Durante 2020 foram evidenciadas dificuldades relacionadas com a gestão adequada de corpos de pessoas não identificadas e a necessidade de que sejam preservados em locais dignos.

Por vezes, nos cemitérios houve deslocamento de corpos de pessoas não identificadas para dar espaço aos falecidos por COVID-19.

Esta situação também poderia dificultar o acesso à justiça, em caso de não armazenar esses restos da forma adequada, e não conceder a oportunidade de realizar os estudos genéticos necessários para conectá-los com suas famílias.

Parceria com Playing for Change: vozes latino-americanas cantam aos familiares

Para marcar o Dia Internacional dos Desaparecidos, o CICV produziu um vídeo musical no Brasil e outros países da América Latina em parceria com Playing for Change. A canção "Hasta la raíz" (Até a raiz), composta por Natalia Lafourcade e Leonel Garcia, foi filmada durante este tempo de pandemia com a participação de mais de 15 músicos do Brasil e outros países da América Latina para dizer às famílias dos desaparecidos que eles não estão sozinhos em sua busca.

Foi gravado em nove países da América Latina com a generosa participação de cantores como León Gieco, Susana Baca, Silvana Estrada, entre outros. Também apresenta o talento de extraordinários músicos e instrumentos latino-americanos: acordeão da Colômbia tocado pelo rei Vallenato, Julián Mújica, bateria Garifuna de Honduras, cavaquinhos do Brasil, violões de El Salvador, o cajón do Peru e a participação da Orquestra Sinfônica Nacional da Guatemala.

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