Artigo

Discurso proferido pelo presidente do CICV sobre os ataques aos profissionais, estabelecimentos e veículos de saúde

Excelências, senhoras e senhores, prezados colegas,

Há exatamente 149 dias, reunimo-nos aqui em Nova York para a adoção da resolução 2286, apreciada por muitos de nós por sua redação clara, pelo compromisso com o Direito Internacional Humanitário (DIH) e pela estrutura de acompanhamento concreto.

Nos cinco meses que se passaram desde então, os ataques contra os profissionais, estabelecimentos e veículos de saúde certamente não deixaram de acontecer.

A situação em muitos países ainda é profundamente alarmante: na Síria, por exemplo, em todos os lados das linhas de frente, os estabelecimentos e os profissionais de saúde são constantemente atacados e obrigados a fechar devido aos intensos enfrentamentos. Há notícias de que, há apenas duas horas, os dois principais hospitais em Aleppo foram atacados. Pacientes foram mortos. Funcionários dos hospitais foram feridos. E no país inteiro, muitos hospitais não funcionam mais, deixando as pessoas feridas com poucas chances de terem acesso a um atendimento médico que pode salvar as suas vidas. A violência, a interrupção do fornecimento de energia elétrica e de água, ademais da falta de remédios põem em grave risco o acesso à assistência à saúde.

No Iêmen, 25% de todos os serviços de saúde foram destruídos ou fechados, em um momento em que há mais feridos do que nunca. Há apenas um mês, o hospital que recebe apoio da organização Médicos sem Fronteiras (MSF) na província de Hajjah foi atingido, causando a morte de 19 pessoas.

E esta é somente a ponta do iceberg. A lista continua: Afeganistão, Sudão do Sul, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Líbia, etc.

Infelizmente, as tendências descritas anteriormente persistem sem trégua. Nem o comportamento dos atores nos campos de batalha se modificou nos últimos meses, nem os beligerantes parecem levar em consideração as consequências humanitárias com mais premência ao tomarem decisões militares: os sistemas de saúde continuam sendo desintegrados sob o impacto acumulativo da violência, deixando milhões de pessoas em condições altamente frágeis.

Se bem não vimos progresso nos campos de batalha, pelo menos aqui nas Nações Unidas, a comunidade de Estados resolveu trabalhar essa questão.

Em primeiro lugar, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem a satisfação de ver a liderança deste Conselho reafirmando a contínua validade do DIH como um marco acordado universalmente para a proteção de pessoas feridas e doentes e a prestação de atendimento médico no conflito armado. Devemos continuar confiantes e demonstrar por meio das nossas ações que, mesmo nas circunstâncias mais árduas, o DIH ainda é relevante e pode fazer a diferença para as pessoas que suportam o fardo da guerra.

Em segundo lugar, as recomendações e medidas específicas para a proteção da assistência à saúde durante conflitos estão agora integradas às resoluções oficiais. Na Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, a resolução para proteger a assistência à saúde durante conflitos armados foi adotada por unanimidade. O Conselho de Segurança adotou unanimemente a resolução 2286; foi amparada por 85 países. Agora, temos uma base muito sólida que nos permite promover essas medidas.

Mas, obviamente, muito mais ações concretas são necessárias.

O CICV toma nota com satisfação da carta do Conselho de Segurança da ONU para os Estados membros seguinte à Resolução 2286 que traça um caminho para a sua implementação. Apreciamos o fato de termos sido consultados com relação ao conteúdo da carta e a oportunidade de poder colaborar.

Da nossa perspectiva, próxima às vítimas e negociando o acesso humanitário com portadores de armas de todos os lados, e todas as informações coletadas mediante a iniciativa do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, Assistência à Saúde em Perigo, acreditamos que existem quatro áreas onde devem-se tomar medidas concretas:

Primeiro, no nível da legislação:

1. Os Estados devem fortalecer a legislação nacional que protege o acesso à assistência à saúde, já que esta é uma obrigação segundo o Direito Internacional.

2. Devem garantir que as leis nacionais reconheçam o papel dos socorristas, quase sempre funcionários ou voluntários das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho;

3. E os Estados devem fazer o que estiver ao seu alcance para aplicar as sanções legais existentes de modo que estas tenham uma ação dissuasiva.

Segundo, com relação à coleta de dados:

4. Incentivamos os Estados e outros atores relevantes a estabelecerem sistemas nacionais e internacionais para a coleta e análise de dados sobre a ocorrência de violência contra profissionais, estabelecimentos e veículos de saúde e pacientes;

5. E convocar reuniões com diferentes partes interessadas para compartilhar regularmente os desafios e as boas práticas sobre prevenção e abordagem de atos de violência contra a prestação de assistência à saúde.

Terceiro, sobre a responsabilização, peço-lhes:

6. Que assegurem que os atos de violência contra a prestação de assistência à saúde, que equivalem a uma infração grave às Convenções de Genebra, sejam penalizados como tal nas ordens jurídicas nacionais.

7. Gostaríamos de ver o fortalecimento de capacidades para permitir investigações completas, imediatas, imparciais, independentes e efetivas, assegurando uma maior responsabilização e tratando os agravos das vítimas.

E finalmente, na preparação e prevenção, pedimos aos Estados e outros atores relevantes para:

8. Adotar planos de contingência antecipando situações que poderiam pôr em risco a organização e prestação de assistência aos doentes e feridos.

9. E desenvolver medidas práticas para as forças armadas para minimizar as disrupções nos serviços de assistência à saúde durante o planejamento e a conduta de operações militares e incorporá-las em ordens, regras de engajamento, treinamento e procedimentos de operações padrão e outros documentos relevantes.

Gostaria de renovar hoje a oferta do CICV de estabelecer uma relação mais construtiva de envolvimento operacional profundo, comentários, diálogos e medidas corretivas com todas as partes em conflito, no que se refere à condução de hostilidades. Isso pode, finalmente, contribuir para restabelecer a confiança entre os beligerantes de que as normas não são somente aplicáveis por causa das sanções e da responsabilização vinculadas a elas, mas são uma ferramenta útil e necessária para o interesse de todos.

Com essa perspectiva, permitam-me fazer o seguinte comentário: compreendo e respeito o papel deste Conselho para oferecer posições e orientações políticas no que tange à paz e à segurança internacionais. Ao lidar com a questão do DIH e a sua implementação, no entanto, o Conselho deve levar em consideração as suas reflexões, a importância da confiança, da convicção e do consenso entre os beligerantes, que podem ser melhor promovidos mediante intermediários neutros, capazes de manter a convicção das partes em conflito. Sendo assim, é importante que, ao mesmo tempo em que estamos unidos ao redor desta mesa hoje, entendamos e respeitemos os nossos respectivos papéis e responsabilidades como atores políticos e humanitários.

Excelências, Senhoras e Senhores,

Este Conselho tomou, 149 dias atrás, medidas históricas e a nossa presença hoje é um testemunho do nosso comprometimento com a proteção dos pacientes e dos profissionais de saúde onde quer que estejam.

Porém, enquanto isso, homens e mulheres, meninos e meninas, médicos e enfermeiros continuam correndo para os porões quando ouvem os aviões se aproximando. Continuam retirando os seus entes queridos dos escombros de hospitais destruídos. Continuam temendo que homens armados parem as suas ambulâncias.

É necessário um envolvimento muito maior para tornar esse compromisso uma realidade no terreno, para fazer a verdadeira diferença para as pessoas que sofrem durante as guerras. Insto a que continuem se esforçando.

Muito obrigado.