Artigo

Presidente do CICV Mirjana Spoljaric: "A proteção das pessoas civis é uma precondição para a estabilidade, a paz e a recuperação."

Presidente Berset, excelências, senhoras e senhores.

A questão da proteção das pessoas civis está na essência do mandato do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

Enquanto estamos aqui reunidos, inúmeras pessoas civis vivem um inferno em conflitos armados em todo o mundo.

A qualquer momento, o próximo míssil pode destruir a casa, a escola ou o hospital, assim como todas as pessoas que estiverem lá.

A qualquer momento, seus entes queridos podem sofrer abusos, estupros, detenções ou torturas.

A qualquer momento, elas podem ficar sem alimentos ou remédios.

Em todos os lugares que observo – e, no meu curto período como presidente do CICV, visitei países afetados por conflitos armados na África, na Europa e no Oriente Próximo –, vejo que a situação humanitária se deteriora rapidamente.

Regiões inteiras estão encurraladas em ciclos de conflito que parecem não ter fim.

Os números do CICV mostram que a quantidade de conflitos armados não internacionais mais do que triplicou nos últimos 20 anos: passou de menos de 30 para mais de 90.

Muitos deles são conflitos prolongados que provocam um sofrimento incessante, agravado por choques climáticos, insegurança alimentar e dificuldades econômicas.

A população civil fica gravemente desprotegida porque sofre com a combinação implacável de ataques, ameaças, destruição e impasses políticos.

Quando os conflitos se caracterizam pela destruição generalizada e por violações do Direito Internacional Humanitário, o desenvolvimento e a paz se tornam um sonho inalcançável.

Está claro: a proteção das pessoas civis é uma precondição para a estabilidade, a paz e a recuperação.

 

Os apelos que faço hoje aos Estados são urgentes.

Em primeiro lugar, proteger pessoas civis e infraestruturas básicas em zonas urbanas.

A destruição generalizada e, muitas vezes, indiscriminada de casas e infraestruturas básicas aumenta de modo desproporcional o custo da guerra.

Nos lugares que visitei nos últimos meses, vi como o choque de perder a própria casa é agravado pela interrupção ou pela ausência prolongada de serviços básicos, como água, eletricidade, saúde e educação.

À medida que os combates envolvem vilarejos e cidades em lugares como Sudão, Síria, Ucrânia e Iêmen, o CICV observa padrões de danos agravados e de grande magnitude.

Precisamos interromper o padrão das violações por meio de uma forte vontade política e da ação contínua.

Tanto os Estados como as partes não estatais devem se empenhar mais para prevenir, reduzir e mitigar os danos causados pelos conflitos armados nos centros urbanos. Quando adotou a resolução 2573, há mais de dois anos, este mesmo Conselho exigiu que as partes em conflitos armados se empenhassem mais. Hoje, eu repito esse apelo.

O CICV pede que todas as partes envolvidas na guerra urbana se comprometam a:

  • Garantir que a proteção da população civil seja uma prioridade em zonas urbanas;
  • Respeitar plenamente o Direito Internacional Humanitário e, em particular, os princípios de distinção, proporcionalidade e precauções;
  • Evitar o uso de armas explosivas pesadas em áreas povoadas, além de endossar e implementar fielmente a Declaração política sobre o uso de armas explosivas em áreas povoadas; e
  • Garantir que a proteção dos serviços básicos inclua a infraestrutura, as pessoas e os materiais que mantêm os hospitais e o abastecimento de água e energia funcionando.

 

Em segundo lugar, os Estados devem intensificar a prevenção e mitigação da insegurança alimentar em áreas afetadas por conflitos.

Durante minha visita ao Chifre da África, no início deste ano, vi como os conflitos e os choques climáticos provocam um impacto devastador em comunidades vulneráveis.

Na Somália, mais de sete milhões de pessoas precisam urgentemente de comida e água.

A seca, a falta de investimento em adaptação climática nas zonas de conflito e os efeitos indiretos do conflito armado internacional entre a Federação da Rússia e a Ucrânia causam um forte impacto nas pessoas afetadas por conflitos armados em todo o mundo.

O CICV pede que os Estados e outros atores se comprometam a:

  • Respeitar e fazer respeitar o Direito Internacional Humanitário, inclusive as normas sobre a condução das hostilidades, para reduzir o risco de insegurança alimentar e fome; e
  • Investir em soluções práticas e medidas de adaptação para mitigar as consequências das mudanças do clima nas regiões afetadas por conflitos.

 

Em terceiro lugar, peço que os Estados permitam o acesso humanitário neutro e imparcial:

Isso significa: acesso às pessoas civis que necessitam ajuda, em especial, às comunidades sitiadas...

Acesso a centros de detenção superlotados, onde continuamos observando tendências preocupantes em relação a maus-tratos e tortura...

Acesso aos cerca de 175 milhões de pessoas que vivem em áreas total ou parcialmente controladas por grupos armados...

Isto exige viabilizar um diálogo humanitário com grupos armados não estatais, por exemplo, por meio da implementação da isenção para organizações humanitárias dos regimes de sanções adotados por este Conselho na resolução 2664. Isso é fundamental para uma organização como o CICV, que mantém um diálogo com mais de 300 grupos armados em todo o mundo.

No ambiente operacional de hoje, as informações enganosas e a desinformação também representam uma ameaça para as populações e dificultam as operações humanitárias. As informações enganosas podem incentivar divisões perigosas em comunidades e abalar a aceitação de organizações humanitárias.

Pedimos que os Estados e outros atores adotem todas as medidas necessárias para prevenir e mitigar o impacto de informações prejudiciais sobre a segurança, a dignidade e os direitos das pessoas civis, para preservar o espaço de uma ação humanitária neutra e imparcial e para protegê-las da instrumentalização política.

Por último, devo ressaltar: a proteção das pessoas civis significa a proteção de todas essas pessoas.

Não há chance de estabilidade ou segurança duradouras enquanto o Direito Internacional Humanitário não for respeitado para todos os gêneros.

O CICV pede que os Estados se comprometam a:

  • Assegurar que todas as pessoas, independentemente de seu gênero, sejam protegidas durante conflitos e tenham igual acesso à assistência humanitária.
  • Garantir que a proibição clara da violência sexual, de acordo com o Direito Internacional Humanitário, seja incorporada à legislação nacional e à doutrina e ao treinamento militares.
  • Adotar uma perspectiva de gênero na aplicação e interpretação do Direito Internacional Humanitário.

 

Sr. Presidente,

O CICV continua insistindo nos efeitos preventivos e protetores do Direito Internacional Humanitário.

O cumprimento dessas normas protege as pessoas civis. Evita violações e abusos.

Além disso, reduz o custo da guerra e mantém aberto um caminho para acordos de cessar-fogo e, por fim, para uma paz duradoura, economias em funcionamento e um meio ambiente saudável.

Peço que todos os Estados respeitem o Direito Internacional Humanitário, inclusive em sua influência sobre os outros.

Em tempos de acúmulos de tendências globais e tensões geopolíticas, o respeito ao Direito Internacional Humanitário deve se tornar uma prioridade política.

Obrigada.

Mais informações:

Yuriy Shafarenko, CICV Nova York, +917 631 1913, yshafarenko@icrc.org