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Programa restabelece contato entre pais e filho indígenas Pemón no Brasil

Em uma pequena comunidade indígena de Roraima, no extremo norte do Brasil, uma família espera inquieta por uma ligação.

A chamada, aguardada ansiosamente, vai conectar por alguns minutos os agricultores John Cliffe, 75, e sua esposa Basilia Franco, 55, com o filho Jeremias, de 33 anos, que migrou da região, peregrinou por vários países da América do Sul até chegar a São Paulo, onde hoje mora em um abrigo para refugiados e migrantes.

John, Basilia e o filho Jeremias conversaram no idioma Pemón, que também dá nome a sua etnia de origem. Os três aproveitaram cada momento do telefonema feito por tecnologia satelital direta e puderam se comunicar para saber como estão em pontos tão distantes entre si.

A ligação foi proporcionada pelo programa de Restabelecimento de Laços Familiares (RLF), do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em parceria com a Cruz Vermelha Brasileira (CVB). O serviço faz parte de uma resposta regional do Movimento da Cruz Vermelha em vários países para ajudar migrantes, permitindo que os atendidos informem às suas famílias sobre seu paradeiro e mantenham contato com os entes queridos por meio de chamadas telefônicas, acesso à internet e recargas de bateria. A comunicação entre famílias separadas por diversos fatores – como migração, desastres naturais, violência ou conflitos armados –, são uma necessidade humanitária e, por isso, o CICV e as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha oferecem esse tipo de resposta.

Jeremias Cliffe. Foto: Bianca Vasconcelos

 

A região montanhosa do Bananal é próxima à fronteira entre Brasil e Venezuela, país de onde a família Cliffe veio há alguns anos. Na comunidade não há sinal de telefone e a internet é acessada apenas por meio de serviço privado, o que dificulta ainda mais a comunicação.

A última vez que John e Jeremias conversaram foi há mais de um ano, em 2019, quando ocorreu um primeiro telefonema, também por meio do programa RLF, desde que o filho migrou para São Paulo. Antes daquele contato, Jeremias passou quase dois anos sem falar com a família, que chegou a pensar inclusive que o filho estivesse morto. O jovem Pemón peregrinou pela Colômbia e Peru até retornar ao Brasil, onde posteriormente conseguiu abrigo em São Paulo, a mais de 4 mil quilômetros de distância da família.

Pais de Jeremias após contato com o filho. Foto: Fabrício Marinho

 

John explicou que se emocionou muito ouvindo a voz do filho."Não demonstro muito por ações, mas no meu coração eu estava muito triste. É difícil ter um filho longe. Quando ele puder, quero que ele volte, quero vê-lo pessoalmente. Mas só por ter escutado a voz dele já estou muito contente, é isso que importa", disse o agricultor.

Basilia, a mãe de Jeremias, contou que naturalmente permanece com o coração aflito com um filho distante, mesmo com a promessa de que saem de casa para melhorar a vida. 

"Tenho filhos espalhados por vários lugares. Hoje os Pemón são nômades por uma questão de sobrevivência. Mas no nosso caso, o que falta é só a comunicação. Até agora me perguntava como ele estava. Tive notícias boas e outras tristes dele neste momento de pandemia, mas ele me disse que está bem, que tem seus amigos. Só em escutar isso já estou aliviada", afirmou Basília.

Do outro lado da linha, em São Paulo, Jeremias Cliffe Franco não esconde a ansiedade: "Não tenho telefone, então às vezes falo com os meus irmãos, mas com meus pais é mais complicado, fico nervoso. As notícias que tenho deles são por outras pessoas. Estou aqui há três anos e só falei duas vezes com eles, graças a essas chamadas. Estou contente de poder falar com ela [sua mãe] com alegria e com tristeza também, mas saber como estão lá, principalmente sobre a saúde deles. Estou agradecido por essa oportunidade", relatou Jeremias.

A chefe-adjunta do escritório do CICV em Roraima, Andrea Cristina Godoy Zamur, explicou que a comunicação familiar contribui para manter a dignidade do ser humano.

"A migração causa uma necessidade maior de comunicação familiar. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem experiência específica na área, e por esse motivo iniciamos e expandimos esse serviço na região. Com a manutenção de laços familiares, o programa RLF garante que não ocorram desaparecimentos das pessoas em deslocamento e gera um bem-estar para os migrantes que estão chegando ou saindo de um determinado lugar", finalizou.

Em Roraima, há vários pontos onde o programa RLF é oferecido. Na cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, é possível buscar apoio do CICV no Posto de Recepção e Identificação (PRI), no Posto de Triagem (PITRIG), no Alojamento Transitório BV-8, no Abrigo Indígena Janokoida, todos estruturas da Operação Acolhida, e também na Casa São José, na Casa Lar e no Centro de Capacitação e Referência, mantido por entidades parceiras. O programa também está presente em Boa Vista, capital do estado, e em Manaus, no Amazonas.

Mais informações
Diogo Alcântara, CICV Brasília, (61) 98248-7600,

dalcantara@icrc.org
Sandra Lefcovich, CICV Brasília, (61) 98175-1599,

slefcovich@icrc.org