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Respirar de novo

O último dia 3 de abril chega na memória de Kristiany de Oliveira como um presente. Depois de 14 dias internada com Covid-19, muito medo, incertezas e angústia , receber alta foi também sentir dentro dos pulmões a possibilidade de vida de novo nas mãos.

"Quando surgiu a história de que pandemia chegou no Brasil eu fui a primeira pessoa comprar álcool em gel, coloquei em toda a loja que trabalho, não deixei mais as minhas filhas irem aos supermercado, só eu ia, e usei máscara de cara. Eu tentava proteger minha família do lado de fora mas o contágio estava dentro da minha casa", relembra.

Para a gestora, o que mais pesou foi a falta de informação. No início, órgãos de saúde e até o ministério orientavam que as pessoas só fossem ao hospital quando os sintomas fossem mais graves. O que fez com que ela passasse muitos dias em casa, sem assistência. Menina de beira de rio, como ela mesma diz, a paraense passou a infância às margens do rio Xingu e só lembra de ter sentido aquela sensação na vida num quase afogamento.

As primeiras informações de confirmação de pessoas infectadas em Fortaleza só chegaram no dia 15 de março. Mesmo antes de exame, a gestora foi uma das primeiras hospitalizadas com a doença na Capital. Levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), a orientação foi de que ela fosse transferida já de ambulância e com oxigênio para o Hospital São José de Doenças Infecciosas.

A gestora viu o pânico dos profissionais de saúde ao perceberem que ela estava com Covid-19, viu a dúvida nos olhos deles ao buscarem protocolos para lidar com a doença. Depois de cinco dias no local, ela foi transferida ao Hospital Leonardo Da Vinci, requisitado pelo Governo do Ceará para atender exclusivamente pacientes acometidos pelo vírus. Foram então mais 14 dias de internamento.

"Em relação aos sentimentos, são os piores que você puder imaginar, muita tristeza, desamparo, eu acho que é a palavra mais assertiva para esse momento, eu tinha muito medo porque sabia que na minha casa todos estavam com Covid-19, meu marido estava deitado na cama e não levantava para nada e não foi para o hospital. É muito triste esse momento da humanidade, eu não sei como alguém pode se referir a essa tristeza como uma coisa banal. Existem famílias inteiras morrendo se dissipando, você é uma estatística, um número, mas para a sua família você é muito importante", se emociona.

Hoje, curada, ainda com alguns efeitos colaterais, Kristiany pensa que ser bom no mundo, se relacionar e dar amor é o mais importante. A sensação de vitória naquele 3 de abril foi como voltar novamente às margens do rio. O respiro profundo foi o alento.

Aos profissionais de saúde que a acompanharam ela deixa a mensagem: "Eu via o medo nos olhos de vocês, eu via o quanto vocês estavam apavorados naquele momento, que não entendiam o que estava acontecendo, mas eu também via muita boa vontade, muita vontade de que desse certo. Vocês têm salvado muitas e muitas vidas e estão sofrendo as maiores consequências porque são os mais acometidos. Mas continuem porque, por mais que existam pessoas que não valorizam o trabalho de vocês, que têm descaso pelo momento, existem pessoas que voltaram para casa como eu, que sou mãe, e passei o Dia das Mães com minhas filhas. Isso não tem preço", respira e encerra, "muito, muito obrigada".

Paciente acometida pela Covid-19 relata como foi superar a doença from Henry Dunant on Vimeo.