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Ucrânia: tratando a questão dos mortos

Recuperar os cadáveres das pessoas que morreram durante o conflito e dar-lhes o tratamento respeitoso é essencial, na Ucrânia e em qualquer outro país. Os profissionais forenses representam um papel crucial e o CICV apoia o trabalho forense na Ucrânia.

Quando as pessoas morrem durante um conflito armado, os seus corpos devem ser tratados com respeito. Eles devem ser encontrados, recuperados, documentados, identificados e enterrados de maneira adequada.

A especialista forense do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Maria Dolores Morcillo Mendez, fala sobre as atividades forenses na Ucrânia.

Por que a ciência forense é tão importante?

Os corpos das pessoa que morreram durante um conflito nem sempre são tratados com dignidade e respeito e, no entanto, os mortos são importantes para as suas famílias e comunidades.

Os perigos como minas e bombardeios significam que às vezes os corpos sejam abandonados nos campos de batalha, sem serem enterrados. Quando são recolhidos, é importante identificá-los ou, pelo menos, enterrá-los de maneira digna e de modo que possam ser identificados posteriormente. Por isso o conhecimento forense é tão valioso.

Que problemas costumam surgir?

Lidar com os cadáveres durante um conflito é difícil. Em geral, significa ajustar procedimentos e será necessária uma coordenação entre a equipe forenses, os investigadores e as forças armadas. Vimos em outros países como as deficiências nos procedimentos forenses podem levar à identificação incorreta ou simplesmente que não sejam identificados. As famílias que perdem a confiança no processo de identificação. No caso da Ucrânia, muitos corpos ainda não foram encontrados e muitos dos que foram encontrados não foram identificados. Isso significa que as pessoas continuam sem saber o que aconteceu com o seu familiar.

A ciência forense também é parte essencial para descobrir o que aconteceu com as pessoas desaparecidas. E as pessoas têm o direito de saber o que aconteceu com os seus familiares.

Qual é o procedimento correto?

O primeiro passo é buscar os corpos e recuperá-los. Devem-se recolher dados que permitam a identificação dos restos mortais. Isso inclui roupas, etiquetas de identificação, detalhes sobre a arcada dentária da pessoa e uma descrição das suas características particulares (tatuagens, cicatrizes, antigas fraturas). As informações devem ser entregues por familiares das pessoas desaparecidas, assim como amostras de DNA, tanto desses familiares, como dos restos mortais encontrados. Mas é importante lembrar que a análise de DNA é apenas uma das ferramentas que usamos.

Finalmente, uma vez que o corpo é identificado, pode ser entregue à família para ser sepultado.

Que aspectos podem ajudar na identificação de um corpo?

A qualidade e a quantidade de informações coletadas são importantes e isso se aplica ao momento em que o corpo é encontrado. Se algo se perde nesta primeira fase, não há uma segunda chance. Todos os detalhes são importantes e cada objeto encontrado com o corpo deve ser examinado e registrado. A identificação também exige a coleta de informações de familiares sobre a pessoa quando esta estava viva. Finalmente, essas informações devem estar acessíveis. Por esse motivo a padronização e a centralização de dados são tão importantes.

Quais são os principais desafios relacionados com a gestão de cadáveres no conflito da Ucrânia?

O CICV reconhece os esforços das autoridades forenses na Ucrânia, sobretudo no que se refere ao recolhimento e à análise dos corpos. Mas a real escala dos eventos e o número de vítimas supera a capacidade dos estabelecimentos existentes e precisamos uma melhor coordenação entre todos os envolvidos na questão das pessoas desaparecidas e dos cadáveres. Todas as partes devem acordar compartilhar informações de modo a identificar os cadáveres e devolvê-los às suas famílias. O CICV conta com uma experiência mundial na coordenação desse tipo de trabalho e na facilitação da troca de informações para a identificação, além de estarmos sempre dispostos a disponibilizar a nossa experiência e o nosso conhecimento.

Também explicamos às famílias como o seu ente querido será identificado. Os meus colegas forenses Petro e Vadym se reúnem com as famílias. São momentos muito emotivos nos quais as famílias vivenciam um grau de alívio e podem começar a seguir adiante com a sua perda. Envolver as famílias e informá-las de maneira adequada quanto aos resultados é muito importante. Também trabalhamos com as autoridades para garantir que isso seja feito com respeito.

Maria Dolores Morcillo Mendez, ICRC regional forensics coordinator.

Maria Dolores Morcillo Mendez, coordenadora regional de ciência forense do CICV. CC BY-NC-ND / CICV / Anastasia Vlasova

Qual é o papel da equipe forense do CICV na Ucrânia?

Assessoramos e apoiamos tanto as autoridades quanto as equipes forenses na busca, recuperação, análise e identificação dos cadáveres, assim como assistimos as pessoas que coletam informações referentes às pessoas desaparecidas.

O CICV proporciona treinamento de modo a elevar os procedimentos forenses a padrões internacionais. Em julho, por exemplo, realizamos uma oficina de coleta de informações sobre possíveis lugares de sepultamento e mapeamento de sepulturas. Este curso contou com a presença de 20 pessoas envolvidas na localização e recuperação de restos mortais na Ucrânia.

Assessoramos nas operações de exumação e supervisionamos o processo de identificação. Também ajudamos na reforma de necrotérios e doamos equipamentos relacionados com a ciência forense.
Finalmente, agimos como intermediário neutro entre as partes em conflito, o que engloba tarefas como transferência de corpos ou de amostras de DNA e transmissão de informações entre as partes.

Existem normas que regulamentam a gestão de cadáveres?

Ademais da legislação local referente à ciência forense e às pessoas desaparecidas, o Direito Internacional Humanitário (DIH) exige que todas as partes protejam a dignidade dos mortos e isso se aplica a Ucrânia. O DIH também estipula que as partes devem evitar a mutilação ou profanação dos corpos e fazer o que estiver ao seu alcance para encontrá-los, recolhê-los e documentá-los e, sempre que possível, identificá-los. O DIH também exige que os restos mortais das pessoas que morreram durante um conflito armado sejam tratados com dignidade e de maneira adequada. Todas as pessoas têm direito a serem identificadas após a sua morte.

Que desafios a equipe forense enfrenta?

As equipes que recolhem os cadáveres quase sempre trabalham em meio aos enfrentamentos e em condições estressantes. A equipe forense lida com as consequências mais traumáticas de um conflito e também trabalham em condições difíceis. O trabalho deles deve ser reconhecido e eles devem ter acesso aos recursos que precisam.