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Uruguai: "O fato de que estejam ali e vejam você garante a sua vida." - Entrevista com Alicia Cadenas

Alicia Cadenas e seu companheiro, Ariel Soto. ©João Pina

Alicia Cadenas tinha 25 anos em 1976 quando foi detida em Buenos Aires. Havia ido morar na capital argentina fugindo da perseguição em Montevidéu, sua cidade natal, depois do golpe militar de 1973. Após meses de detenção na Argentina, foi levada ao Uruguai com outros presos. Ficou dois anos na prisão e recebeu liberdade condicional. Nessa ocasião, conseguiu fugir com seu companheiro ao Rio de Janeiro, no Brasil, e de lá exilou-se na Suécia, país onde viveu por 10 anos até o fim do regime militar no Uruguai. Hoje é aposentada e desenvolve projetos ligados a movimentos comunitários e sociais na capital uruguaia.

Em que ano a senhora foi presa? Como isto ocorreu?

Eu vivia exilada na Argentina desde 1973. Em 14 de julho de 1976, estava na casa de uma amiga quando um carro apareceu. Fui obrigada a subir e me levaram para Automotores Orletti (um centro de detenção clandestino). Ali estive dez dias com um grupo de vinte pessoas.

Em 24 de julho, eles decidiram – ainda não sabemos o motivo – nos trazer de forma clandestina em um avião particular, um avião da Pluna, mas sob ordens do Exército do Uruguai. Trouxeram-nos naquela noite ao Uruguai e nos colocaram em uma casa que ficava em Punta Gorda.

Estivemos detidos nessa casa até 24 de agosto, quando nos levaram a outra residência, El Sótano, usada pelo Serviço de Inteligência e Defesa (SID). Era uma casa abandonada situada no Boulevard Artigas esquina com a rua Palmares. Estivemos ali até 29 de novembro, quando me levaram, junto com a maioria das mulheres, ao presídio de Punta de Rieles.

A senhora era muito jovem quando esteve na prisão, como muitas das outras detidas. Como foi dividir uma experiência tão dura com outras mulheres? Ainda tem contato com elas?

Sim, mantenho contato com as companheiras de Punta de Rieles, com quem estive presa, e com as do exílio. Tive uma aprendizagem humana e de solidariedade com as companheiras, foi muito bonito. Uma experiência muito importante porque tivemos que aprender a abrir mão das coisas individuais e torná-las coletivas, aprender a ter solidariedade pelos demais.

Preparávamos coisas para a ajuda e o consolo mútuo; líamos, discutíamos. Ou seja, usávamos todo o tempo livre que tínhamos para "confraternizar". Inclusive éramos pessoas de diferentes partidos políticos, que podiam ter discrepâncias, mas nesse momento éramos presas políticas. Quando uma companheira entrava em depressão, todas tentávamos ajudá-la. O apoio mútuo nos fez mais solidárias. Hoje, nos reunimos uma vez por ano. E tenho uma relação especial com algumas.

A senhora esteve mais de 10 anos no exílio na Suécia. Em algum momento pensou que não voltaria ao seu país, Uruguai?

Quando chegamos à Suécia, tínhamos a ideia de regressar logo que fosse possível. E quando acabou a ditadura, em 1986, voltamos. Mas nos primeiros anos havia gente que dizia "não se iludam, não voltarão nunca mais".

Não nos limitamos ao tema do Uruguai porque pensávamos que estávamos na Suécia e que tínhamos que nos integrar a essa sociedade. Mas, ao mesmo tempo, estudávamos a situação do Uruguai dentro do possível – naquele tempo não havia internet, nem celular, nem nada – mas tentávamos ficar por dentro do que se passava. Fazíamos encontros de discussões, tínhamos um comitê de solidariedade com o Uruguai, trabalhávamos também com a Cruz Vermelha Sueca em Gotemburgo, com a imprensa... com a ideia de voltar.

A senhora foi visitada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) enquanto esteve detida. O que recorda daquela visita?

Sim, foi uma vez em 1977. Por um lado, ficávamos contentes em saber que no exterior havia gente que se preocupava conosco. Era motivo de satisfação ver que queriam saber e se informar – o que, de certa forma, era um controle para que [as autoridades] não fizessem o que queriam conosco na prisão. Um dia antes de cada visita, porém, éramos obrigados a limpar, encerar o local... ou seja, faziam uma montagem. Era um momento de nervosismo, de ordens, gritos e limpeza para que tudo estivesse brilhante para a visita.

Em sua opinião, de que forma as visitas contribuem? O que de mais importante podem oferecer a uma pessoa que esteja na prisão?

[As visitas] são muito importantes porque você pode prestar atenção para ver além do superficial. Com certeza as pessoas do CICV viam isso, podiam intuir que atrás disso [a ordem, a limpeza] havia outras coisas que não estavam evidentes na visita.

Por isso, era muito importante que o CICV fosse até lá. O fato de que estejam ali e vejam você garante a sua vida.