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Venezuela: priorizar o acesso da população à saúde

A situação que a Venezuela atravessa hoje é sumamente complexa. Em algumas regiões, o acesso aos serviços de saúde, água, saneamento e higiene é limitado, e o grau de violência ao qual a população está exposta é preocupante. Em resposta às necessidades mais urgentes das pessoas afetadas, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) intensificou a ajuda humanitária com a implementação de mais atividades de Saúde no país. Pilar Bauza, coordenadora de Saúde do CICV na Venezuela, explica os esforços que a organização tem feito este ano.

Qual é o panorama da saúde na Venezuela?

O país continua sofrendo os efeitos da piora da situação socioeconômica, o que tem impacto direto no setor da saúde. Há escassez de remédios e os equipamentos de diagnóstico são insuficientes, assim como os materiais de higiene e o mobiliário hospitalar. A falta de manutenção da infraestrutura sanitária é preocupante, e também há problemas no fornecimento de água e eletricidade, essencial para o funcionamento de hospitais e centros de saúde.

Além disso, devemos levar em conta a falta de recursos humanos especializados para prestar os serviços e a atenção que a população necessita. Nas zonas mais afetadas, por exemplo, um hospital com 500 leitos que antes oferecia aos pacientes até 20 especialidades médicas agora só pode oferecer cinco devido à falta de pessoal especializado. A falta de recursos, insumos e equipamentos necessários agrava a situação. Ao mesmo tempo, as necessidades continuam aumentando, assim como o número de pacientes que dão entrada nas salas de emergência em virtude da violência. Por todos esses motivos, o CICV concentra-se em trabalhar em estreita parceria com esses centros de saúde para poder salvar mais vidas.

As pessoas que vivem nas zonas afetadas pela violência armada têm ainda menos possibilidades de conseguir acesso aos serviços básicos de saúde de forma rápida e eficaz. Elas são as mais vulneráveis.

Que programas ou atividades o CICV realiza este ano?

A estratégia que implementamos no país tem o foco no paciente. Portanto, procuramos que todo o trabalho das equipes de saúde do CICV seja orientado ao fortalecimento do sistema de atenção e acompanhamento médico (cadeia de cuidados) para que a população das zonas mais vulneráveis tenha acesso à saúde.

Uma das nossas atividades é um programa de primeiros socorros que busca fortalecer as capacidades necessárias para estabilizar pacientes graves, acompanhado de um apoio aos atores pré-hospitalares que já existem no país, mediante a reparação de ambulâncias, a entrega de material médico e a capacitação dos profissionais.

Também prestamos apoio técnico a hospitais, treinando as equipes em assistência de feridos por armas de fogo, explosões e outros traumatismos. Doamos materiais e equipamentos médicos e melhoramos a infraestrutura para respaldar o abastecimento de água e energia nas salas de emergência, onde esses profissionais trabalham diariamente.

Em algumas regiões fronteiriças, realizamos atividades de atenção primária e preventiva em apoio aos estabelecimentos de saúde que estão sobrecarregados, a fim de que possam prestar serviços à comunidade e às pessoas que passam por essas zonas.

Em cada etapa do processo, trabalhamos com a comunidade e com os órgãos de saúde locais e nacionais, de modo a coordenar as atividades e garantir que os pacientes sejam atendidos sem interrupção segundo as suas necessidades.

Além disso, trabalhamos em conjunto com as autoridades penitenciárias para assegurar que as pessoas privadas de liberdade tenham condições dignas. Apoiamos a assistência à saúde e os esforços das autoridades pela melhoria da infraestrutura dos presídios. Este ano, realizamos mais de sete mil atendimentos básicos e de emergência aos detidos em sete centros de detenção do país.

Com a situação de emergência da malária na Venezuela, que tipo de ajuda o CICV oferece à população afetada?

Mais de 50% dos casos de malária na América Latina estão na Venezuela, dos quais 70% estão no estado de Bolívar – onde o surto da doença é sem dúvida preocupante. É aqui que o CICV concentrou os seus esforços, trabalhando intensamente em medidas preventivas, como a distribuição de quase 50 mil mosquiteiros à população do município de El Callao.

Também buscamos aumentar os centros de diagnóstico e tratamento disponíveis na região, além de fortalecer a capacidade e os conhecimentos dos funcionários e voluntários que já trabalhavam na localidade, a fim de que possam oferecer um atendimento adequado a mais pessoas. Para isso, fornecemos regularmente os materiais necessários para a identificação, o diagnóstico e o tratamento da doença, além de treinamento especializado a microscopistas e capacitação no uso de testes de diagnóstico rápido. Assim, contribuímos para o Plano Nacional de Resposta de Emergência à Malária implementado pelas autoridades sanitárias do país.

Que desafios o CICV enfrenta ao responder às necessidades de saúde da população?

O CICV desenvolve as suas atividades de saúde desde janeiro de 2019, sobretudo em áreas e estados prioritários. Para realizar os nossos programas, são necessárias a importação e a distribuição de material médico e a capacitação das equipes de saúde da Venezuela. Isto requer um enorme esforço de coordenação, não apenas por parte dos nossos colaboradores do setor, mas também das equipes de logística, água e saneamento, comunicação e administração. Tudo isso tem sido possível graças à colaboração e ao diálogo constante com as autoridades, as partes interessadas importantes e a população. Foi um grande desafio para nós, pois ainda não nos conheciam.

Por outro lado, em algumas ocasiões enfrentamos a difícil tarefa de estabelecer prioridades. Agora que estamos implementando mais iniciativas e trabalhamos cada vez mais perto das comunidades, começamos a identificar outras necessidades que pensamos que poderíamos atender, ainda que nem sempre tenhamos essa capacidade. Nós nos comprometemos com aquilo que podemos fazer, dentro das competências e das possibilidades do CICV.

Como coordenam a ação humanitária com a Cruz Vermelha Venezuelana e a Federação Internacional da Cruz Vermelha no país?

Felizmente, o trabalho conjunto realizado pela Cruz Vermelha Venezuelana, a Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e o CICV tem sido fundamental para superar os desafios e promover atividades relevantes em resposta às crescentes necessidades humanitárias dos venezuelanos. A Federação e o CICV apoiam de forma constante o trabalho realizado pela Cruz Vermelha Venezuelana através de capacitações, orientação técnica, equipamentos e materiais para os seus voluntários. Graças a eles podemos realizar boa parte das nossas atividades. Por exemplo, a Cruz Vermelha Venezuelana, com o apoio técnico do CICV, responde diariamente às necessidades pré-hospitalares da população, em particular durante eventos, manifestações ou lugares importantes, com atendimento de primeiros socorros e serviço de ambulância. Como Movimento, o nosso compromisso de prevenir e aliviar o sofrimento humano na Venezuela continua intacto.

Quais as expectativas do CICV para 2020 e que projetos prioritários serão implementados ou mantidos?

Em 2020, pretendemos consolidar o que estamos fazendo. Continuaremos trabalhando para ajudar nos diferentes níveis de atenção, dentro do sistema de saúde venezuelano. Seguiremos concentrados nas necessidades das populações mais vulneráveis (como os detidos e feridos) e nos serviços vitais (tanto em saúde primária como hospitalar). Outro importante objetivo é facilitar o acesso aos serviços de saúde e promover o respeito por eles. Gostaríamos também de começar a oferecer atendimento em saúde mental, com foco nas populações afetadas pela violência. Seria muito limitado, da nossa parte, focar apenas na parte física. Queremos entender quais são as preocupações das pessoas e oferecer respostas na medida das nossas possibilidades.