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Venezuela: reduzir a incidência de malária para melhorar a vida da população afetada pela violência em El Callao

O município de El Callao é reconhecido na Venezuela não só por seu famoso carnaval e as características madamas, como também por ser o epicentro da zona mineradora no sul do país, com destaque especial para a extração de ouro. Nos últimos anos, irromperam situações de violência armada em torno da atividade mineradora e, ao mesmo tempo, um surto de malária que foi 95% controlado graças aos esforços conjuntos de profissionais da saúde e da comunidade, com o apoio do CICV.

Em 2019, os casos de malária em El Callao aumentavam a cada dia, o tratamento disponível era insuficiente para todos e as pessoas ficavam seriamente doentes. A situação era preocupante, mas o trabalho árduo dos profissionais de saúde e da comunidade ajudou a mudar essa realidade. "Agora não é mais como antes. Quando eu comecei (em 2019), tinha que atender 20 ou 30 pacientes em uma semana, e agora tenho só um ou dois porque os casos diminuíram", conta Jickson Gutiérrez, um jovem microscopista encarregado do ponto de teste de diagnóstico rápido (TDR) de malária em Parque Agrario, um setor tradicionalmente dedicado à extração de ouro no sul da Venezuela.

Jickson foi testemunha e protagonista das medidas que foram tomadas para diminuir a incidência da doença no município, que também é um dos mais afetados pela violência armada na região e uma localidade onde o CICV trabalha de maneira integral para mitigar as consequências humanitárias sobre a vida da população. Jickson é um dos 16 jovens que receberam formação técnica do CICV em 2019 para atuarem como microscopistas, com o objetivo de apoiar a comunidade no diagnóstico e na prestação de tratamento de malária. "Faz quase três anos que eu trabalho no ponto de teste rápido, e estou feliz porque sei que, de alguma forma, eu posso ajudar as pessoas da minha comunidade", diz o jovem, orgulhoso.

Já Florimar Rodríguez, médica que atuou como Autoridade Única de Saúde da localidade até março de 2022, foi alocada no município de El Callao em meio a uma situação desafiante. Ela lembra que, eu um só dia, chegou a atender a mais de 500 pacientes. Do seu ponto de vista, é possível ver os frutos do esforço para enfrentar o paludismo em El Callao, pois até o final de 2021 o município "tinha uma incidência menor em comparação com a de 2017 e 2018". Junto a Florimar e a toda a equipe de saúde, o CICV trabalhou para estabelecer um plano de prevenção, educação, diagnóstico e tratamento para reduzir o número de casos.

Entender a origem do novo surto de malária foi fundamental para o avanço da iniciativa. Yonny Finol, inspetor de saúde encarregado da questão da malária em El Callao, relembra que os casos começaram a aumentar com o auge da atividade mineradora nos últimos anos: "A situação econômica fez com que muitas pessoas viessem de outros lugares do estado e do país e convivessem com aquelas que já trabalhavam nas minas. Isso influiu no surgimento da epidemia", ele aponta.

Em El Callao, a maioria das pessoas que se dedicam à mineração vivem e trabalham em acampamentos expostos à intempérie, o que aumenta drasticamente sua probabilidade de contrair malária. Além da alta incidência de casos da doença, a violência resultante das tensões entre grupos armados da região dificulta o acesso de muitos dos habitantes a serviços essenciais, inclusive a um atendimento médico adequado para poderem se curar.

É por isso que, desde 2019, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha trabalha junto às autoridades de saúde do município para responder à epidemia de malária por meio da adoção de medidas como a distribuição massiva de mosquiteiros, a atualização dos protocolos de tratamento, o fornecimento de treinamento atualizado para toda a equipe de saúde, a formação de microscopistas, a inauguração de novos centros de teste de diagnóstico rápido e a atualização dos microscópios e dos materiais necessários para processar as amostras.

Graças a todas essas medidas, a população agora está mais informada e disposta a prevenir o contágio de malária. Finol comenta que "as pessoas agora são mais conscientes do risco que implica contrair a doença. O mosquiteiro, que é a principal ferramenta para evitar a transmissão, antes era distribuído a pessoas que acabavam não fazendo uso dele. Agora, é a primeira coisa que pedem quando vêm aos ambulatórios."

Além disso, a possibilidade de se receber uma avaliação médica e um tratamento para a doença em diferentes lugares do município representa conforto e um melhor acesso aos serviços de saúde para os habitantes, já que os centros de atendimento antes estavam distantes de algumas comunidades, como é o caso das zonas mineradoras onde "as pessoas só recorrem aos centros de saúde quando a doença já está em estágio muito avançado, porque a prioridade para elas é o trabalho", segundo Finol.

Entre 2021 e o primeiro trimestre de 2022, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha apoiou a resposta à epidemia de malária no município de El Callao das seguintes maneiras:

• Distribuição de 12.960 mosquiteiros.
• Doação de 1,9 toneladas de insumos médicos e medicamentos para o tratamento de malária.
• Doação de 1,5 toneladas de materiais de limpeza e higiene.
• Certificação de nove jovens do município como microscopistas.
• Veiculação de uma campanha de rádio com mensagens preventivas sobre o paludismo e o uso de mosquiteiros.

Em El Callao, as condições ambientais são ótimas para a proliferação do Anopheles, mosquito transmissor da malária: a atividade mineradora destrói a vegetação, levando à fuga de animais e deixando apenas os humanos como fonte de alimento para os mosquitos; há focos de água parada sob o sol em muitos lugares, o que permite a proliferação do inseto-vetor; e algumas residências são de pau-a-pique, o que impossibilita sua pulverização com inseticidas.

Essa realidade tem representado um desafio adicional para as populações mais vulneráveis, que já sofrem com outras limitações como o acesso escasso a água potável, o deslocamento forçado e os confrontos armados.Hoje, toda a equipe de saúde do município continua trabalhando em prol do bem-estar de suas comunidades, com o objetivo de reduzir o número de contágios, conscientizar as pessoas acerca das medidas de prevenção e ressaltar a importância de seguir o tratamento corretamente.

Ao mesmo tempo, o CICV sustenta sua ação humanitária voltada para a mitigação do sofrimento das pessoas afetadas pela violência armada no estado de Bolívar por meio de medidas como o diálogo com portadores de armas, a reabilitação da infraestrutura forense em San Félix, Upata, Ciudad Bolívar, Tumeremo e outras regiões, centros de saúde, o centro penitenciário de El Dorado, a realização de formações em empreendimentos e meios de subsistência para pessoas em situação de vulnerabilidade e a disponibilização de serviços de conectividade para famílias separadas, entre outras.

O inspetor Finol indica que o mosquito também mudou seus hábitos: não descansa mais nas paredes, e sim fora das casas. Por isso, a técnica de pulverização interna não é mais tão eficaz quanto antes para matá-lo.</h2>