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Visitas a presos no Uruguai: lembranças de um delegado do CICV

Em seus 26 anos como médico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Hernán Reyes visitou pessoas detidas em centenas de presídios e centros de detenção em cinco continentes. Durante o regime militar no Uruguai, teve acesso em 1984 a um grupo de nove presos que estiveram em condições de isolamento extremo durante mais de dez anos.

Hernán Reyes e Mauricio Rosencof ©CICV

Como foi a sua primeira visita a presos durante o regime militar uruguaio?

Realizei a primeira visita em 1982, quando as autoridades militares voltaram a permitir que o CICV visitasse os presos. Eu era o médico da equipe, formada também por outros sete delegados. Fomos ao Estabelecimento Militar de Reclusão Número 1 (EMR1), também conhecido como "Libertad" – nome do povoado onde está localizado. Decidimos ver os 1.100 presos, um por um, para que ninguém se intimidasse e para que as autoridades não pudessem exercer represálias sobre os que tivéssemos visitado, já que tínhamos visto todos eles. Também visitamos o Estabelecimento Militar de Reclusão Número 2 (EMR2), onde estavam as mulheres. A visita durou sete semanas e foi uma das mais longas que já fiz.

A autorização de visita aos presos não incluía os nove dirigentes do Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros, que, depois de capturados em 1973, nunca tinham podido receber visita do CICV e estavam em diferentes centros de detenção, em diversos locais do país. Discutimos esse dilema com os familiares representantes dos presos uruguaios. Eles nos diziam: "Continuem negociando com o governo para vê-los também, mas enquanto isso, por favor, visitem os demais, pelo menos façam algo por eles."

O que o CICV pôde fazer para melhorar as condições dos presos?

Concretamente muito pouco, mas subjetivamente muito. As condições materiais não eram o mais importante para eles. Conseguimos que tivessem autorização para tomar banho todos os dias, e não uma vez por semana, mas ninguém reclamava disso. O problema principal foi quebrar o isolamento e dar a eles notícias de fora. No segundo andar havia um preso numa cela, depois havia uma cela vazia, e assim por diante, para que não se comunicassem com os vizinhos. Os reclusos às vezes ficavam semanas sem sair. O fato de que um delegado do CICV fosse vê-los, estendesse a mão e lhes dissesse "sente-se, senhor, vamos falar dos seus familiares, do que quiser...", por meia hora ou mais... era muito mais importante para eles. Na prisão de mulheres, havia duas irmãs gêmeas que estavam havia dois anos sem se ver, pois ficavam em setores diferentes. Durante a visita médica, pedi ao diretor do presídio que autorizasse pelo menos uma visita de meia hora entre as irmãs, e conseguimos!

Os familiares dos presos vinham nos ver no hotel em Montevidéu e pediam notícias, perguntando por seu parente. Mandavam mensagens que felizmente as autoridades nos deixavam levar aos presos. Essa troca de mensagens familiares era muito importante para os presos e suas famílias.

Como foi a visita ao grupo de nove reclusos que estavam em isolamento quase total?

Isto ocorreu dois anos mais tarde, em 1984. O primeiro que vi foi Eleuterio Fernández Huidobro. Não haviam lhe contado que receberia nossa visita. Quando abriram a porta de sua cela, ele nos olhou, ficou atônito durante uns segundos e disse: "Graças a Deus, a Cruz Vermelha! Por favor, sentem-se!" Durante a entrevista, ele tinha dificuldade de pronunciar as palavras, de modo que quase nunca falava com ninguém. E havia anos que isso acontecia, mas ele ficou muito contente em nos ver. Perguntou-nos como estava o país, etc. Levei ao poeta e dramaturgo Mauricio Rosencof um livro que ele tinha escrito nos anos 60. Quando o tirei da bolsa, Mauricio disse, emocionado: "Ah, Las Ranas!" Ficou surpreso ao saber que sua obra ainda estava no mercado. O que mais desejava era poder escrever de novo. Assim surgiu a ideia de levar uma máquina de escrever, que lhe entreguei na visita seguinte, após obter a autorização necessária. Com essa máquina ele começou a relatar suas "Memorias del calabozo", que completaria mais tarde com o relato do seu amigo Eleuterio Fernández Huidobro. A máquina de escrever foi algo sumamente positivo para a saúde mental de Mauricio. Outro recluso do grupo dos nove, Henry Engler, contou-me que o isolamento era coisa séria. Eu lhe perguntei como eles faziam para não ficarem loucos, tendo que passar anos em celas onde não tinham cama, nem livros, nem nada. Disse-me: "Era preciso ocupar a mente constantemente." E me contou que uma vez o guarda, por compaixão, passou por debaixo da porta uma laranja. Quanto tempo fazia que não via uma laranja!