Direito Internacional Humanitário e políticas sobre

Diálogo com portadores de armas

Aqueles que portam armas podem matar — e ser mortos. E também podem facilitar ou impedir a ação humanitária. O CICV, portanto, mantém um diálogo com todos os portadores de armas, estatais e não estatais, como parte do seu mandato de proteger e assistir as pessoas afetadas pela guerra e outras situações de violência.

An ICRC staff member in dialogue with an individual about the principles of international humanitarian law.

Diálogo com forças armadas regulares

Manter um diálogo com as forças armadas é um componente essencial das operações do CICV em todo o mundo. O objetivo é garantir que todos os setores das forças armadas conheçam e apliquem o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) em suas operações, e facilitem a ação humanitária para as vítimas de conflitos.

A maioria dos funcionários do CICV no terreno dialogam de alguma forma com as forças militares, seja em postos de controle, durante as visitas a pessoas detidas em instalações militares ou quando se encontram na busca do paradeiro de pessoas desaparecidas. Além disso, 32 delegados especializados, a maioria deles ex-militares, se encontram em diferentes delegações ao redor do mundo, para manter um diálogo contínuo em um ou mais países nas suas respetivas regiões. Em caso de conflito armado ou desastre natural, quando são levantadas questões de coordenação entre as forças militares e o Movimento, o CICV pode reforçar a sua presença especializada. Todos os funcionários do CICV contribuem para o diálogo com as forças armadas dentro de uma estrutura unificada para as relações com todos os portadores de armas.

Os delegados do CICV nas forças armadas facilitam tanto a compreensão da organização sobre os militares quanto a sua articulação com indivíduos chave em diferentes níveis. Eles também possibilitam as operações do CICV ao proporcionar aos militares uma compreensão do mandato, do modus operandi e das atividades da organização, bem como o quadro jurídico aplicável. Isso é feito participando de conferências ou reuniões antes da mobilização.

Delegados especializados apoiam o trabalho das forças armadas para divulgar o DIH ou o DIDH, para integrar essas normas em sua doutrina, educação e formação, e para adotar sanções disciplinares e penais em caso de violações. Eles apoiam os colegas do CICV ou dialogam diretamente com as forças armadas sobre a condução de hostilidades ou a aplicação da lei. Para o diálogo, os delegados no terreno recebem o apoio de uma unidade especializada na sede: Unidade do CICV para a Relação com Portadores de Armas.

Do blog Direito e Políticas Humanitárias

Diálogo com forças policiais e outros funcionários responsáveis pela aplicação da lei

É importante que o CICV mantenha um diálogo com os funcionários responsáveis pela aplicação da lei em conflitos armados e outras situações de violência, pois eles são os encarregados de manter a ordem e a segurança públicas e de prestar assistência às pessoas ante uma emergência. Para desempenhar a sua função, eles podem recorrer ao uso da força e armas de fogo, capturar e deter pessoas, e buscar e apreender bens. E a forma como esses poderes são exercidos pode ter um grande impacto nas pessoas afetadas por situações de violência ou conflito. 

Manter um diálogo com os funcionários responsáveis pela aplicação da lei pode ser desafiador, especialmente num contexto em constante mudança. É frequente que os conflitos prolongados e os distúrbios sociais ocorram em áreas povoadas, o que coloca toda a população em risco. Os militares e outros funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir com seus deveres em conflitos armados. A violência urbana também está crescendo em outras situações de violência. Tecnologias recentes como a inteligência artificial e as armas autônomas trouxeram novos desafios para os comandantes militares que devem garantir que as operações de aplicação da lei respeitem o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O CICV deve levar em conta a complexidade dessas situações ao dialogar com funcionários responsáveis pela aplicação da lei e ao analisar como eles devem exercer seus poderes em tais contextos. 

As ações dos órgãos responsáveis pela aplicação da lei também podem afetar o trabalho do CICV. Os funcionários desses órgãos podem facilitar ou impedir o acesso da organização às vítimas, bem como ter um impacto positivo ou negativo na nossa segurança em postos de controle, lugares de detenção e situações violentas de desordem pública. Nosso objetivo é lembrar aos funcionários responsáveis pela aplicação da lei as suas obrigações de acordo com o direito nacional e internacional, bem como aumentar a sua compreensão e aceitação do trabalho do CICV.

Frequentemente, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei são as primeiras pessoas contatadas pelas vítimas de violência, mas também podem se transformar em vítimas. Dado que representam o Estado e são extremamente visíveis, eles podem se tornar alvos da indignação popular durante distúrbios ou ser atacados por gangues criminosas, grupos armados ou até mesmo por forças armadas estatais em conflitos armados.

O CICV adotou a abordagem única de contratar antigos militares e funcionários responsáveis pela aplicação da lei para discutir questões jurídicas. Em geral, as operações de aplicação da lei são geridas pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas as forças policiais também podem estar sujeitas ao Direito Internacional Humanitário durante um conflito armado se elas se tornarem oficialmente parte das forças armadas ou participarem das hostilidades de alguma forma.  Em outras situações, as forças militares podem realizar operações de acordo com o Direito dos Direitos Humanos ou os policiais podem continuar envolvidos na aplicação da lei durante um conflito. Nesses casos, o CICV discute com os funcionários sobre como exercer seus poderes e cumprir suas responsabilidades em relação à população levando em conta as transições entre o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. 

O trabalho dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei é muito diferente daquele feito pelos soldados. Seu dever não consiste em neutralizar um inimigo, mas em manter a ordem pública e a segurança, e em servir e proteger a população — uma população à qual também pertencem como civis. Eles podem trabalhar sozinhos ou em pares, e têm certa flexibilidade para decidir como reagir a um incidente. Isso deve ser considerado no seu treinamento e no equipamento fornecido a eles. Por exemplo, seu equipamento deve permitir que deem uma resposta adequada sem causar lesões aos transeuntes. Portanto, algumas armas usadas pelas forças armadas são inapropriadas para a aplicação da lei, que requer equipamento de proteção e armas menos letais. Embora o CICV não forneça equipamento, trabalhamos com parceiros para salientar áreas em que o uso de equipamento adicional pode ajudar a reduzir as preocupações humanitárias. Por exemplo, proporcionar equipamento de proteção aos policiais pode reduzir a necessidade de usar a força.

Os delegados de polícia e de gendarmaria do CICV dialogam com forças militares, policiais e de segurança envolvidas em operações de aplicação da lei em contextos que podem gerar tensões e originar preocupações humanitárias, tais como postos de controle, demonstrações em grande escala, campanhas de desarmamento e segurança durante eleições. Trocamos experiências com funcionários responsáveis pela aplicação da lei de todos os níveis, de policiais que trabalham em delegacias e quartéis a altos funcionários e comandantes. Nosso papel consiste em lembrar aos órgãos responsáveis pela aplicação da lei a sua função em relação às pessoas afetadas por suas operações. Também promovemos a compreensão do trabalho neutro, independente e imparcial que o CICV realiza para garantir a segurança das pessoas em risco.

Nossos delegados de polícia e de gendarmaria são ex-policiais, o que os coloca em uma posição ideal para analisar situações e oferecer assessoria a funcionários responsáveis pela aplicação da lei. O CICV baseia-se na sua experiência para promover eficazmente os valores e as normas dos direitos humanos e das leis humanitárias, e ajuda as autoridades a incorporá-las na sua abordagem, educação, treinamento, equipamento e sanções. Em última instância, o objetivo é criar um ambiente que promova o cumprimento das normas básicas dos direitos humanos na aplicação da lei.

Diálogo com grupos armados

Durante os últimos anos, o CICV estimou que dezenas de milhões de pessoas viviam em áreas controladas por grupos armados não estatais e, portanto, sem acesso aos serviços regulares oferecidos pelos sistemas estatais. Além de mais, um grande número — mas desconhecido — de pessoas mergulha em áreas em disputa onde Estados e grupos armados competem pelo controle. No contexto de conflitos armados ou outras situações de violência, as pessoas que vivem nesses lugares se tornam vulneráveis e precisam de proteção e assistência. 

Ao longo da sua história e em todo o mundo, o CICV, em conformidade com seu mandato e seus Princípios Fundamentais de neutralidade e imparcialidade, procurou se envolver com todas as partes em conflito, a fim de garantir às populações vulneráveis acesso a necessidades e serviços básicos. O diálogo com todos os portadores de armas, sejam estatais ou não estatais, é a base do nosso trabalho como ator humanitário neutro e imparcial. 

O direito do CICV de oferecer seus serviços “não afeta a situação legal das partes em conflito”, tal como referido explicitamente no artigo 3.o comum às Convenções de Genebra. Do ponto de vista prático, a aceitação de uma oferta de serviços do CICV por um grupo armado só pode acontecer como resultado do diálogo e de uma relação de confiança.