Artigo

Ainda resta esperança num mundo tão imprevisível

Em razão de um dos piores ataques da história do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (ICRC), o diretor de Operações, Dominik Stillhart, descreve um mundo cada vez mais imprevisível para os trabalhadores humanitários, mas também vem alguns sinais de esperança.

Editorial publicado originalmente por Al Jazeera

Nomes que você nunca escutou. Lugares onde nunca esteve. Assassinatos que provavelmente passaram despercebidos. Seis corpos, crivados de balas, jogados em um Land Cruiser abandonado em um vale seco e árido no norte do Afeganistão.

Eram funcionários do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e haviam distribuído alimentos de inverno para as cabras e ovelhas da população local.

Isto aconteceu há quatro semanas. Não sabemos quem foram os autores, nem os seus motivos. Outros dois membros da equipe foram sequestrados.

Um evento terrível, mas não único. Nos últimos meses, do Afeganistão ao Sudão do Sul, do Iêmen à Síria, profissionais humanitários e de saúde, hospitais, clínicas e comboios de assistência de várias organizações também foram atacados.

Afinal, por que isso está acontecendo? Alguma coisa mudou? Se mudou, o que pode ser feito a respeito?

É essencial lembrar o que nos une a todos, não o que nos divide. É fundamental reconhecer o que há de bom nos outros. E valorizar isso pelo que é.

Uma semana após os assassinatos, estive em Mazar-i-Sharif, no norte do Afeganistão, a poucas horas de carro do local onde o ataque ocorreu, para visitar as famílias das vítimas.

Em cada casa, nos serviram chá verde com uma hospitalidade generosa que me ensinou muito sobre a humildade. Vinte e quatro crianças ficaram órfãs de pai.

O pai de uma das vítimas não havia dormido por dois dias. "Isso não está certo", disse ele. "Meu único desejo na vida era morrer antes do meu filho."

Nós nos abraçamos, longa e intensamente. Senti como se estivesse tocando a dor que o invadia. Que palavras eu poderia lhe oferecer?

Em cada casa que visitamos, a pergunta era a mesma: "Por quê?" Eles estavam apenas fazendo o seu trabalho, tentando ajudar pessoas necessitadas, em situação de desespero.

Como diretor de operações globais do CICV, é minha tarefa, juntamente com os meus colegas, tomar decisões difíceis diariamente. Devemos encontrar um equilíbrio entre os riscos que a nossa equipe enfrenta e o impacto vital do nosso trabalho humanitário.

Estamos tomando essas decisões em um ambiente internacional cada vez mais imprevisível. As dinâmicas nas quais operamos parecem mudar.

Em primeiro lugar, parece haver uma crescente convicção, por parte dos grupos armados e de alguns Estados, de que a proteção dos profissionais humanitários e de saúde já não é inviolável como antes.

Não percamos os ideais que os meus seis colegas representaram de forma tão patente. Não percamos o espírito que eles mostraram de maneira tão clara.

Não há dúvida de que o Direito Internacional Humanitário (DIH), que protege essas pessoas, continua tão vital e importante como sempre.

Mas não podemos fugir do fato de que isto está sendo questionado. Não apenas estamos mais conscientes das violações do DIH, devido à rapidez nas comunicações, mas também existe uma distorção preocupante, uma ambivalência no que se refere ao direito humanitário.

Em segundo lugar, conflitos no mundo todo estão se tornando mais interligados, mais complexos, com sucessivas camadas de objetivos e ambições. Exércitos oficiais, exércitos que respondem a terceiros, grupos armados, drones e guerra cibernética: todos participam de um conflito ou de outro.

Quem está influenciando quem para conseguir essas mudanças? Enormes zonas cinzentas surgiram e, com elas, uma "difusão de responsabilidade". Quem é responsável por cada coisa? Ficou mais fácil esconder-se à margem da responsabilidade, com tudo o que isso implica.

Talvez agora já não seja tão fácil identificar os "perpetradores".

Em terceiro lugar – talvez uma inevitável consequência do item anterior –, existem tentativas de simplificar o que é complexo por natureza. De ver as coisas em preto e branco; de elencar os bons e os maus, como uma espécie de teatro de horror mundial. Não que isto seja um teatro.

À medida que as questões e conflitos se tornam mais complexos, existem aqueles que ficam presos na ideia da simplificação excessiva. Na ideia de que há "nós" e "eles". O resultado é uma maior divisão, maior polarização.

Mas, como todos sabemos, a vida não é tão simples. Há muitas sombras entre o certo e o errado. Se você não perceber a nuance, pode perder a essência.

Por que isso importa?

Portanto, o que fazer nesse ambiente de crescente desconfiança e suspeita mútua? Em épocas assim, é essencial lembrar o que nos une a todos, não o que nos divide. É fundamental reconhecer o que há de bom nos outros. E valorizar isso pelo que é.

Sob as circunstâncias mais trágicas, foi isso que presenciei no norte do Afeganistão. As seis pessoas que morreram, Murtaza, Shah Agha, Maqsoud, Khalid Jan, Rasoul e Najibullah, haviam passado anos das suas vidas assumindo riscos, trabalhando em um dos lugares mais inóspitos e perigosos do planeta. Tentando ajudar os demais.

Como o voluntário da Cruz Vermelha Filipina, que assiste as vítimas de um tufão; o voluntário do Crescente Vermelho Árabe Sírio, que distribui comida em uma área sitiada; ou o funcionário afegão do CICV que leva rações para animais a um vilarejo. Todos eles são motivados pelos valores de generosidade, altruísmo e humanidade comum – qualidades maravilhosas que, em um mundo muitas vezes brutal, devem ser cuidadas e cultivadas.

Portanto, peço aos que atacam pessoas que tentam salvar outras: por favor, parem. Àqueles que tentam simplificar: sejam cautelosos. Aos que procuram criar divisões: cuidado com as consequências.

Não percamos os ideais que os meus seis colegas representaram de forma tão patente. Não percamos o espírito que eles mostraram de maneira tão clara. Seja qual for a provocação.

Por que a morte deles é importante para você e para mim? Porque, no fim das contas, nos dá a dimensão da nossa própria humanidade.

Dominik Stillhart é diretor de operações do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

As opiniões expressadas neste artigo são do próprio autor e não necessariamente refletem a política editorial da Al Jazeera.