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Ações buscam reduzir vulnerabilidades e responder ao desaparecimento

37 famílias
80 mil
Depoimento
Balanço Humanitário

O plano era construir novas relações em torno do problema das pessoas desaparecidas no Brasil. O roteiro foi bem construído: dar continuidade ao trabalho feito em São Paulo, fortalecer relações do trabalho iniciado em Fortaleza e promover um novo grupo no Rio de Janeiro; afora os projetos de fortalecimento de diálogos com entidades municipais, estaduais e federais.

Mas veio a pandemia e fez com que tudo precisasse ser reajustado nos planos do programa de Pessoas Desaparecidas e suas Famílias do CICV. 

"Precisávamos então pensar: qual o principal impacto da pandemia para os familiares que nós acompanhamos? E, de fato, trouxe muitos impactos psicoemocionais e financeiros", explica Larissa Leite, responsável pelo programa na Delegação Regional.

Foi a partir deste questionamento que o CICV iniciou uma série de ações. O programa de acompanhamento a um grupo de familiares se tornou virtual e foram dadas orientações de prevenção à Covid-19; orientações sobre o acesso a benefícios de assistência e serviços de saúde, jurídicos e psicossociais; apoio para o processo de busca, e assistência para subsistência e para situações emergenciais; educação financeira e apoio para a geração de renda.

"A questão do desaparecimento é devastadora para os familiares. São famílias muito vulneráveis, muitas vezes deixam o trabalho acumulam dívidas para ações de buscas dos entes queridos. A pandemia ressaltou este problema 

O CICV ofertou auxílio financeiro a 45 famílias, 37 delas participantes no programa de acompanhamento em São Paulo e em Fortaleza.

Por sua vez, os contatos virtuais possibilitaram a realização de atividades periódicas incluindo as famílias de diferentes estados, o que antes não era possível e o que aplaca a solidão sentida pelas famílias e as fortalece, graças ao apoio mútuo que oferecem umas às outras.


Triste realidade

O desaparecimento de entes queridos é uma triste realidade no mundo. No Brasil, em 2019, foram quase 80 mil registros de desaparecimentos. O grande desafio é sensibilizar as autoridades e a sociedade de que, para resolver esta problemática, é preciso uma ação coordenada e o estabelecimento de políticas públicas.

Pessoas desaparecidas são indivíduos sobre os quais as suas famílias não têm notícias e/ou alguém que, com base em informação confiável, que foi dado como desaparecido. No Brasil, a Lei 13812/2019 também estabelece um conceito bastante amplo. As circunstâncias do desaparecimento podem ser diversas: um conflito armado – internacional ou não internacional – outras formas de violência, distúrbios internos, desastres naturais, migração entre outras.

Nesse sentido, três problemáticas são o foco das ações do CICV: a construção de mecanismos de busca e cruzamento de dados; a melhor compreensão sobre uma dimensão do problema e do reconhecimento da situação como uma questão conjuntural; e a criação de respostas para as consequências do desaparecimento para as famílias das pessoas desaparecidas.

Com estes objetivos, o CICV também adaptou seu trabalho, para continuar e ampliar a colaboração com diversos setores do governo federal e com autoridades de São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro. O CICV realizou reuniões, participou de grupos de trabalho, eventos e formações, além de ter compartilhado orientações técnicas e recomendações que ajudaram a avançar discussões sobre políticas públicas de resposta ao fenômeno do desaparecimento. Uma parte importante deste trabalho esteve concentrada na implementação da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas, que faz parte da colaboração do CICV com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o Ministério da Saúde e com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Mais de 350 participantes participaram de dois webinar s amplos e representativos sobre a temática. Campanhas de comunicação para chamar a atenção da problemática também foram realizadas.

"A minha percepção é que, apesar dos grandes desafios de readaptação do trabalho, nossa experiência e as ações realizadas pelo CICV levaram à abertura de diálogo com outros estados, com outras organizações como o Ministério Público do Ceará e do Rio de Janeiro, e com pastas que não trabalhávamos como o Ministério da Saúde, isso tudo foi muito interessante para a continuidade das nossas ações", conclui Larissa.


Débora Alves , mãe de Kaio Alves, que está desaparecido. Ela é atendida pelo Programa de Pessoas Desaparecidas

"É um trabalho muito humano o que o CICV faz com a gente. Eu digo que depois que o CICV entrou para conduzir esse trabalho com os desaparecidos, as famílias tiveram mais voz e eles ajudaram a mostrar que atrás daquelas fotos dos nossos filhos tem uma mãe, um pai, um irmão, uma família que sofre tantas dificuldades.

Nós costumamos ter os encontros presenciais, mas por causa da pandemia, neste ano o CICV formou grupos e pudemos interagir com algumas pessoas de Fortaleza (CE) e outras pessoas de fora de São Paulo. É bacana porque nos ajudou a não ficarmos muito separados.

Eu participei da consultoria financeira (em parceria com a ONG Bom Gasto), e foi bem bacana. Eu já era econômica e ganhei tipo um diploma de parabéns, sabe, porque sou bem controlada financeiramente. Estou desempregada, então eu estava só recebendo um benefício do governo federal e uma ajuda que o CICV também me deu. Isso foi também uma coisa extraordinária que acrescentou muito nesse momento de pandemia.

Além disso, o CICV continuou o trabalho de tentar melhorar um pouco a nossa realidade com as autoridades; recentemente, tivemos uma reunião com representantes do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) de São Paulo. Essa é uma experiência fantástica, porque esse contato é muito difícil. A gente acaba tendo um carinho muito grande pelo CICV, é muito bacana, porque eles não pensam só no caso do desaparecimento do seu familiar; neste momento, eles estão tentando ajudar a gente em tudo que a gente precisa, eles estão vendo o nosso lado de família, de seres humanos mesmo."