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Brasil: CICV promove encontro sobre os aspectos jurídicos da resposta a desaparecimento de pessoas

Evento com integrantes do Sistema de Justiça e de Ministérios encarregados da implementação da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas discutiu temas-chave para melhorar as respostas às necessidades das famílias de pessoas desaparecidas no país.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) promoveu, na última sexta-feira (5), em Brasília, o encontro "Resposta às necessidades das famílias de pessoas desaparecidas: aspectos jurídicos no sistema brasileiro". O evento reuniu especialistas que já têm se dedicado ao tema, através coordenação de programas locais de atenção a familiares de desaparecidos e pela participação em colegiados estaduais, grupos de trabalho nacionais ou do Comitê Gestor da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.

O assessor jurídico do CICV, Gabriel Valladares, destacou que o desaparecimento é um problema global e "uma das consequências humanitárias mais angustiantes com as quais temos que trabalhar nos mais de 90 países onde estamos presentes".

"Dos sete princípios fundamentais do CICV, a humanidade talvez seja o mais importante. Ele nos obriga a prover proteção e assistência a qualquer pessoa vulnerável em qualquer tempo e faz que sempre olhemos os contextos que provocam essas situações. Um desses grupos especiais são as pessoas desaparecidas e suas famílias", afirmou Valladares. "É importante olharmos para essa família e não deixar que apenas o silêncio seja a resposta", completou.

"Os aspectos legais são muito importantes para o reconhecimento da responsabilidade do Estado, a definição do status jurídico do desaparecimento e da pessoa desaparecida, e para a garantia do direito das pessoas afetadas. Por isso, o CICV também procura oferecer insumos aos Estados sobre esta matéria, como a Lei Modelo sobre pessoas desaparecidas. Também facilitamos este encontro entre especialistas brasileiros no tema, e estamos disponíveis para acompanhar passos futuros no Brasil", destacou Larissa Leite, Coordenadora do Programa de Proteção de Vínculos Familiares do CICV.

Durante o evento, juízas, procuradoras e promotoras de justiça, defensores públicos estaduais e da União compartilharam experiências e discutiram propostas entre si e com as coordenações encarregadas do tema do desaparecimento junto aos Ministérios da Justiça e Segurança Pública, e da Mulher, Família e Direitos Humanos. Uma representante do Ministério do Trabalho e Previdência também participou das discussões, que foram motivadas pela assessoria jurídica do CICV e por sua equipe de Proteção de Vínculos Familiares.

Foto: Paulo Negreiros/CICV

O encontro possibilitou a identificação de institutos jurídicos e de práticas já existentes no país, assim como de outros ainda necessários para responder a três eixos temáticos, que foram identificados como fundamentais durante reuniões preparatórias com os participantes. Dentre os temas de discussão estavam as necessidades jurídicas e administrativas dos familiares de pessoas desaparecidas, a criação de mecanismos para o acompanhamento do processo de busca pelas famílias, e medidas de prevenção e resposta ao fenômeno do desaparecimento fenômeno.

Dentre os temas discutidos está a criação de uma certidão de ausência para permitir que a resposta às necessidades legais e administrativas das famílias quem têm um ente querido desaparecido seja mais ágil correspondente à sua realidade e também adequada à proteção dos direitos das pessoas desaparecidas. A juíza do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Raquel Chrispino, ressaltou a importância de uma solução célere, que e supra a carência de definição do status jurídico da pessoa desaparecida.

"A gente tem atualmente a possibilidade de decretação de morte presumida em situações de risco de vida ou que é provável que a pessoa tenha morrido e de morte presumida com a declaração de ausência, mas o status jurídico da pessoa desaparecida não se definir. Ele é morto, ausente, desaparecido? Ele é o que?", questionou a magistrada. Ela ainda destacou que um dos procedimentos em vigor leva mais de 20 anos para ser concluído.

Ainda sobre a atenção às necessidades legais e administrativas das famílias de pessoas desaparecidas, os participantes mencionaram a importância de estabelecimento de um protocolo de assistência jurídica e de centros de referência capazes de prestar assistência interdisciplinar a essas famílias.

No debate sobre necessidades ligadas ao processo de busca de desaparecidos, o Defensor Público do Rio de Janeiro, Fabio Amado, ressaltou a importância de assegurar que haja respostas à necessidade de saber, o que implica em medidas práticas que permitam a coordenação interinstitucional e que os familiares possam acompanhar o processo. "É preciso que os familiares saibam que todas medidas possíveis foram e estão sendo adotadas na busca de seu familiar e que consigamos com regularidade fornecer essas informações", afirmou.

Foto: Paulo Negreiros/CICV

Para a promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Eliana Vendramini, um ponto crucial é aprimorar o compartilhamento de informações dos diferentes órgãos que realizam os procedimentos forenses com os órgãos responsáveis pelas investigações. A jurista também defendeu a melhoria da regulamentação e das práticas de sobre a disposição temporária ou final de restos mortais, assim como da doação de corpos para estudo. "Com procedimentos adequados que assegurem a cadeia de custódia e a entrega dos restos mortais, nós conseguimos fazer com que possa ser vivido o luto com a entrega dos corpos. Isso é muito grandioso para essas famílias", afirmou.

Ao final do evento, um painel foi dedicado à discussão sobre espaços e métodos capazes de fortalecer os institutos jurídicos e práticas necessários a responder ao desaparecimento do país. Foram apresentados exemplos de iniciativas e projetos para atendimento a familiares de pessoas desaparecidas pelas Defensorias do Ceará e São Paulo, assim como atualizações sobre o seguimento dos grupos de trabalho estabelecidos pelos Ministérios da Justiça e Cidadania e da Mulher Família e Direitos Humanos para desenvolvimento da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas.

Familiares de pessoas desaparecidas

O CICV lançou em 2021 o relatório "Ainda? Essa é a palavra que mais dói", com uma avaliação aprofundada das múltiplas necessidades de familiares de pessoas desaparecidas no . O documento apresenta também uma série de recomendações às autoridades e à sociedade brasileira para promover respostas adequadas a essas necessidades em relação a cuidados com a o esclarecimento sobre a sorte e o paradeiro das pessoas desaparecidas; e a cuidados com a saúde física e mental; à atenção psicossocial; ao reconhecimento, tratamento igualitário e justiça; e a aspectos legais, administrativos e financeiros.

Para o CICV, a realidade dos familiares de quem desaparece é o ponto fundamental para orientar as ações relacionadas ao enfrentamento do problema. A escuta das famílias também é um elemento fundamental no trabalho que o CICV tem feito nessa área em países como México, Colômbia, Peru, Sri Lanka, África do Sul e Iraque, entre outros.

Outra resposta do CICV ao fenômeno foi a elaboração de uma proposta de uma lei modelo sobre pessoas desaparecidas, como uma ferramenta para ajudar os Estados e suas respectivas autoridades nacionais a adotar ou melhorar as suas legislações sobre o tema.