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Brasil: "Juntos somos mais fortes”

Realizado em Fortaleza no dia 4 de junho com o apoio do CICV, o Encontro de Familiares de Pessoas Desaparecidas foi uma oportunidade para intercambiar experiências e participar em atividades coletivas.

"Juntos somos mais fortes". A frase de Girliany Costa, mãe de Douglas, que está desaparecido há três anos e meio, ecoou entre os 17 familiares presentes no encontro inédito.

Foi uma oportunidade de as famílias se conhecerem e cada uma delas compartilhar sobre seu ente querido que está desaparecido, além das vivências acumuladas ao longo dos anos - muitas vezes até décadas - de busca.

É o que contou Francisca Sampaio Gomes, que está atrás de notícias do irmão Antonio. "Fizemos de tudo nessa busca", contou ela, acompanhada pela filha Vanessa, que tinha apenas seis anos quando o tio desapareceu.

Podem passar 17 anos. 50 anos. Não importa o tempo, só importa saber onde ele está. A última pessoa da família vai continuar procurando.

Com essa frase, Vanessa acabou resumindo como os familiares de pessoas desaparecidas, que não desistem de procurar pelo paradeiro do seu ente querido, apesar de sofrer com a incompreensão alheia, a solidão, o isolamento, e muitas situações de vulnerabilidade.

Francisca Sampaio Gomes e a filha Vanessa buscam notíciais de Antonio. Foto: C. de Almeida/CICV                                                                                                  

A partir do aprendizado gerado pelo trabalho em mais de 80 países em que o desaparecimento de pessoas é uma realidade, Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) reconhece que todas as iniciativas que facilitem o encontro de familiares de pessoas desaparecidas têm o potencial para que eles se apoiem mutuamente e se fortaleçam, ao compartilharem suas histórias e romperem o isolamento.

"Vemos que as circunstâncias dos desaparecimentos podem ser diversas, mas as necessidades dos familiares muitas vezes são parecidas", afirma o assessor do Programa de Pessoas Desaparecidas em Fortaleza do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Daniel Mamede.

Atuando como grupo também é mais fácil se fazer ouvir. Para o CICV, que organizou a atividade, a partir da escuta dos familiares, é possível entender melhor suas necessidades e fazer recomendações às autoridades, para melhorar processos e trabalhar para que outros familiares não passem por situações semelhantes.

Compartilhamento que enriquece

Durante o encontro em Fortaleza, Edna Carla Souza relatou sua experiência como participante do coletivo Mães da Periferia. Para os familiares de pessoas desaparecidas que se encontravam, ela chamou a atenção para a importância de união: "Cada uma tem sua experiência. O que eu vivi, você não viveu. Cada uma passa de uma maneira diferente e cada experiência serve para contribuir com aquelas que você não está conseguindo superar", considerou.

Edna Carla Souza falou sobre o coletivo Mães da Periferia. Foto: C. de Almeida

"Quando você está sozinha é uma voz no deserto, mas quando luta em movimento, sua voz é ouvida", disse Edna, incentivando as e os familiares a se unirem e construírem iniciativas juntos. 

Para Liliane França, que é professora e tem um irmão que está desaparecido, o encontro foi uma atividade reparadora:

Conhecemos outros casos de familiares. Estar aqui acalma o coração. Nos sentimos em paz, disse Liliane.

Francisca também sentiu acolhimento no grupo. "Me identifiquei, vi que outros tem sofrimento como eu", disse. "A melhor sensação é ter visto minha mãe assim", concluiu Vanessa.

Desaparecimento no Brasil

O desaparecimento de pessoas é uma realidade para milhares de famílias no Brasil e no mundo e as respostas às pessoas impactadas exigem esforços coordenados. A busca pela pessoa desaparecida e a constante incerteza fazem do dia a dia dos familiares uma rotina angustiante.

Por anos e até décadas, estes familiares convivem com a incerteza sobre o destino e o paradeiro de seu ente querido. Eles se dedicam exaustivamente à busca de respostas. Neste percurso, enfrentam experiências traumáticas, de risco, desamparo e incompreensão. Mas eles desenvolvem uma resiliência extraordinária para lidar com problemas novos e específicos da sua condição, mas sua vida fica afetada em quase todas as áreas

Familiares de pessoas desaparecidas em atividade desenvolvida durante o encontro. Foto: C. de Almeida

Segundo dados divulgados em 2021 no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, no ano de 2020, foram contabilizados 62.857 registros de desaparecimento de pessoas feitos pelas Secretarias de Segurança Pública dos 26 estados e do Distrito Federal. No mesmo período, as unidades federativas contabilizaram de 31.996 registros de pessoas localizadas. Atenção especial e coordenação entre as autoridades – em nível federal, estadual e municipal são chave na busca de soluções.

Trabalho no Ceará

O CICV iniciou seu trabalho no Ceará em 2018 com o objetivo de ajudar a responder as consequências humanitárias da violência armada na população. A organização busca contribuir com as autoridades cearenses e a sociedade civil em respostas às questões relacionadas às pessoas privadas da liberdade, às pessoas desaparecidas e seus familiares, às pessoas deslocadas, e ao acesso aos serviços públicos essenciais, entre outras.

O desaparecimento é trabalhado em vários eixos. O CICV contribuiu com um grupo interinstitucional nas discussões sobre coordenação de órgãos públicos estaduais para o estabelecimento de uma política estadual de busca e identificação de pessoas e atenção a familiares de pessoas desaparecidas.

Daniel Mamede com o grupo de Familiares de Pessoas Desaparecidas. Foto: C. de Almeida

A equipe do CICV realizou ao longo dos anos uma série de atividades, que incluiu reuniões com familiares e autoridades e uma série de oficinas para unidade policial especializada em investigar casos de pessoas desaparecidas em Fortaleza para apoiar a construção de um mecanismo eficaz de busca e identificação de pessoas e um serviço multidisciplinar que atenda às necessidades dos familiares de pessoas desaparecidas em sua complexidade, além de exposição multimídia para chamar a atenção da sociedade sobre o tema.

Para saber mais sobre o tema do desaparecimento de pessoas ou sobre o trabalho do CICV no Brasil, acesse o site www.desaparecimento.com.br e acompanhe novidades pelas redes sociais.