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Desaparecidos na Nigéria: “Meu coração me diz que minha filha ainda está viva”

Palavras não podem expressar a angústia que um pai sente quando um filho desparece. Mas Mustapha Garba se esforça ao máximo.

Ele fala com uma voz suave, tendo a sua esposa ao lado. As palavras não vêm facilmente, então as lágrimas que escorrem pelo seu rosto articulam a sua dor.

"Ela era muito falante. Ia para a escola. Era uma boa menina, apenas uma menina comum", afirma.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) registrou quase 22 mil pessoas desaparecidas na Nigéria – nossa maior quantidade de casos em todo o mundo. Mais da metade delas eram menores quando desapareceram.

O volume de desaparecidos reflete a natureza do conflito no país e as diferentes maneiras pelas quais as famílias se separam.

Sequestros respondem por alguns dos casos. Outros podem ser de pessoas que foram detidas sem que as famílias saibam o seu paradeiro.

Os combatentes podem "desaparecer em ação", enquanto outras pessoas se perdem no caos da fuga da violência – quase 2 milhões foram deslocadas dentro da Nigéria em decorrência do conflito.
Seja qual for a causa, a dor dos familiares que buscam por respostas é sempre a mesma.

Nunca desistir

Mustapha, de 53 anos, e sua família vivem há quatro anos em um dos diversos campos espalhados ao redor da cidade de Monguno, no nordeste da Nigéria.

Mais de 157 mil pessoas chegaram à cidade nos últimos anos para se refugiar da violência, que há 10 anos assola essa região do país.

Os campos para pessoas que buscam refúgio em Monguno são claramente visíveis do alto. CC BY-NC-ND / CICV / Sam Smith

"Não é fácil sobreviver. Sempre penso nela", diz Mustapha. "Nós não dormimos, e isso afeta a nossa saúde."

Faz quatro anos que a filha de Mustapha desapareceu. Mas há um fio de esperança. Os pais souberam que a menina de 14 anos foi vista viva no vizinho Chade quatro meses atrás.

Mustapha utiliza o serviço de restabelecimento de laços familiares do CICV, que busca reunir as pessoas com os seus entes queridos.

Não é fácil sobreviver. Sempre penso nela. Nós não dormimos, e isso afeta a nossa saúde

"Tenho muita esperança de que ela possa ser encontrada. Rezo para que ela volte", afirma.

A esperança é o que também faz Kaltum Bukar se manter firme. Aos 35 anos, ela se mostra desolada ao contar a sua história.

"Não tínhamos nada quando chegamos ao campo. Nem roupas, nem alimentos. Tínhamos que implorar por comida. As crianças saíam para pedir", recorda.

Kaltum espera encontrar a filha, que foi vista pela última vez há oito anos. CC BY-NC-ND / CICV / Sam Smith

Kaltum fugiu há quatro anos do seu povoado, Kirenowa, com o marido e os quatro filhos. A família foi caminhando até Monguno.

Lá, outros residentes do campo lhe contaram que algumas pessoas haviam encontrado seus entes queridos desaparecidos através da Cruz Vermelha. Sua filha foi vista pela última vez oito anos atrás.

"Não posso descrever a dor, quase não durmo. Perdi muito peso por causa do estresse e do desespero", diz ela. "Mas meu coração me diz que minha filha continua viva. Ainda tenho esperança."

Conflito perpetua o desespero

A questão dos "desaparecidos" na Nigéria ganhou repercussão há cinco anos, quando 200 alunas foram sequestradas de uma escola em Chibok.

Desde então o mundo seguiu em frente, mas milhares de pais nunca o farão enquanto esperam por respostas.

Em parceria com a Cruz Vermelha Nigeriana, o CICV continuará fazendo todo o possível para reunir as famílias.

Voluntários da Cruz Vermelha Nigeriana falam a familiares de desaparecidos em um campo em Monguno. CC BY-NC-ND / CICV / Sam Smith

"O mais preocupante é que o número real de desaparecidos provavelmente seja muito maior que o registrado pelo CICV", diz Marcus Dolder, que lidera o trabalho da organização no nordeste da Nigéria.

As histórias de sucesso não são muitas, mas isso não diminui o significado de cada uma delas

"Enfrentamos muitos desafios ao tentar reunir as famílias, sobretudo o acesso humanitário. Amplas áreas permanecem fora do nosso alcance devido à insegurança. A maioria dos que buscamos está em lugares aos quais não temos acesso por causa do conflito."

Apesar dos desafios, o CICV tem tido algum sucesso. Ajudamos a reunir 37 famílias em 2018, e este ano já ajudamos a reunir 44.

"As histórias de sucesso não são muitas, mas isso não diminui o significado de cada uma delas", afirma Dolder.

"Quando uma família é reunida depois de anos de separação, a alegria é imensa. Quando a sorte de um desaparecido é esclarecida, vem uma sensação de desfecho", explica.

Enquanto pessoas como Mustapha e Kaltum permanecerem na incerteza, elas continuarão com lágrimas nos olhos e se aferrando à esperança.