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Encontro sobre Centros de Referência para Familiares de Pessoas Desaparecidas no Brasil

Representantes do governo federal, de três estados da federação e do CICV discutem experiências em São Paulo

Todos os dias milhares de brasileiros enfrentam a dor de não saber o paradeiro de seu ente querido. Além da incerteza prolongada sobre a sorte e o paradeiro de um ente querido, o desaparecimento impõe aos familiares de pessoas desaparecidas outras consequências graves, que geram necessidades específicas de saúde física e mental, relacionadas à sua segurança e também a problemas jurídicos e econômicos. Além disso, a fragmentação dos serviços públicos que podem responder ao desaparecimento ou a estas necessidades acaba por ser um fator de estresse adicional para quem já se encontra em uma situação vulnerável.

Por esse motivo, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem recomendado e apoiado o estabelecimento de centros ou serviços de referência multidisciplinares com a capacidade de promover respostas integradas, através de ações diretas e de articulação de uma rede de atendimento com enfoque diferenciado.

Experiências e modelos de serviços no Brasil e em outros países estão sendo compartilhados e debatidos durante o I Encontro sobre centros de referência para familiares de pessoas desaparecidas, promovido pelo CICV, nos dias 13 e 14 de junho, em São Paulo.

Reinaldo Canato/CICV

Além dos depoimentos de pessoas afetadas pelo desaparecimento, o evento conta com a participação de integrantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública e de órgãos públicos do Ceará, Rio de Janeiro e de São Paulo (incluindo de setores das Secretarias de Direitos Humanos, Defensoria Pública e Ministério Público dos estados). Naqueles estados, o CICV trabalha com lideranças e grupos de famílias de pessoas desaparecidas, assim como com autoridades locais, sobre o tema do desaparecimento.

"Nos últimos anos cresceu a consciência de que o desaparecimento de alguém afeta todas as áreas da vida de uma família. Garantir um processo de busca eficiente é uma das tarefas importantes que se espera do Estado. Mas igualmente importante é garantir um serviço capaz mitigar as consequências do desaparecimento enquanto a busca acontece. Os centros de referência, com equipes multidisciplinares, podem ser a porta acolhedora para as famílias e o motor para a rede especializada de apoio", lembra Larissa Leite, que coordena o Programa de Proteção de Vínculos Familiares da Delegação Regional do CICV.

A necessidade de organizar de atenção a familiares de pessoas desaparecidas também tem sido identificada em outros países latino-americanos. O CICV considera que a experiência brasileira, baseada em centros de referência enfocados em populações com necessidades específicas, pode se converter em uma inspiração para a região. "Percorri todos os caminhos possíveis tentando encontrar meu filho e em nenhum deles o encontrei. Este evento me dá a esperança de que o amanha será melhor e que haverá uma estrada que nos leve às respostas que buscamos", relatou Lucineide Damasceno, mãe de Felipe, desaparecido desde 2008. 

Reinaldo Canato/CICV

Muitas das instituições representadas no evento realizado em São Paulo têm avançado em normativas ou práticas de atendimento multidisciplinar a famílias de pessoas desaparecidas. Sua experiência foi compartilhada ao longo do encontro.

"O desaparecimento é uma situação muito aflitiva. A gente apredeu com o CICV a importância de promover uma atenção incansável e contínua aos familiares de pessoas desaparecidas. A importância de fazer uma busca ativa - ativa mesmo! -, tanto de pessoas desaparecidas como de familiares. Também é importante conectar os serviços de assistência social, saúde e de atenção psicológica para dar uma respostas às necessidades das famílias", ressaltou a secretária Municipal de Direitos Humanos da cidade de São Paulo, Soninha Francine. 

O desaparecimento e os centros de referência

Entre 2019 e 2021, foram registrados 200.577 desaparecimentos, de acordo com o Mapa do Desaparecimento, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), lançado este ano. Neste mesmo período, os registros de pessoas localizadas somaram 112.246.

Estas informações indicam que o desaparecimento afeta uma parcela significativa da população brasileira. Estando dispersas por todo o território, as famílias de pessoas desaparecidas necessitam de uma porta de referência, para buscar apoio e para que compreendam que não vivem um drama individual.

Uma das funções dos centros de referência deve ser encaminhar esses familiares para atendimento por serviços especializados segundo a demanda, realizando o devido acompanhamento, de modo a evitar uma burocratização ou a sobrecarga das pessoas afetadas. Outras funções são: prestar orientação e apoio quanto à busca e facilitação da comunicação com as autoridades responsáveis, promover a construção de capacidades em rede, apoiar e estimular redes de apoio mútuo entre familiares de pessoas desaparecidas, sensibilizar a comunidade e promover programas estruturados para grupos de famílias.

A descentralização dos serviços existentes dificulta o processo de sensibilização e capacitação dos agentes públicos que atuam para o desenvolvimento e a implementação de medidas concretas que respondam aos familiares.

"O CICV recomenda que as autoridades brasileiras implementem centros de referência para pessoas desaparecidas, estabelecendo-os em todas as cidades onde for identificado um número significativo de famílias que enfrentem essa situação. Os centros de referência devem estar articulados entre si, sob a coordenação do mecanismo ou autoridade central sobre pessoas desaparecidas", afirma Marta Gomes de Andrade, coordenadora de Proteção da delegação regional do CICV.

Reinaldo Canato/CICV

Mais detalhes sobre as recomendações do CICV podem ser consultadas no relatório "Ainda? Essa é a palavra que mais dói", publicado em 2021 e acessível pelo link https://www.icrc.org/pt/publication/relatorio-ainda-essa-e-palavra-que-mais-doi.

Sobre o CICV

No Brasil, o CICV contribui para ampliar a compreensão e dar visibilidade às consequências do desaparecimento de pessoas. A instituição faz recomendações e realiza capacitações para as autoridades que atuam na implementação da política de busca de pessoas desaparecidas e atenção integral às necessidades específicas de familiares. A equipe do CICV participa de comitês e grupos de trabalho, e presta assessoria técnica para auxiliar no aperfeiçoamento dos processos de busca de pessoas desparecidas, na gestão digna de restos mortais e na implementação de serviços de referência aos familiares de pessoas desaparecidas que sejam capazes de dar o enfoque adequado às suas necessidades.