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Líbano: lidar com o desaparecimento dos entes queridos

Durante a guerra de 15 anos do Líbano, que terminou em 1990, milhares de pessoas desapareceram em todo o país. A sorte delas ainda não foi esclarecida. Durante mais de 40 anos, as famílias dos desaparecidos esperam respostas, com as suas vidas destroçadas e em suspenso.

Para ajudar a esclarecer o que aconteceu, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) iniciou, em 2012, um Programa de Coleta de Dados Relativos aos Desaparecimentos com a finalidade de consolidar uma lista de desaparecidos e coletar informações que possam auxiliar a fornecer respostas às famílias assim que uma comissão nacional for criada pelo governo libanês.

Durante o seu trabalho, o CICV observou que as famílias das pessoas desaparecidas tinham uma série de necessidades - econômicas, psicossociais e de saúde - que foram detalhadas em um relatório publicado em 2013. Para atender as necessidades psicossociais das famílias, o CICV lançou, em 2015, o programa "Acompanhamento das Famílias de Desaparecidos".

Em uma entrevista em Beirute, Georgios Kanaris, especialista em saúde mental na delegação do CICV, explicou mais sobre o programa.

Por que o CICV lançou o programa de acompanhamento?

Realizamos, em 2011, uma avaliação com mais de 300 famílias de desaparecidos que nos ajudou a entender melhor as necessidades delas. Obviamente, a preocupação principal era com a sorte dos seus entes queridos. Cada uma das famílias ainda espera uma resposta.

Também observamos que algumas pessoas também necessitavam apoio psicossocial para ajudá-los a lidar com o desaparecimento dos seus entes queridos. Muitas pessoas sentem culpa, se recriminando, e muitas não conseguem dormir em paz. Algumas continuam deixando um lugar na mesa de jantar para os seus entes queridos desaparecidos todas as noites. Há muito sofrimento.

Qual a parte mais difícil de se tentar viver com o desaparecimento de um ente querido?

O efeito psicológico do desaparecimento de um ente querido é profundamente traumático. Não pode ser comparado com nenhum outro tipo de perda. Uma família que perde um dos seus membros, por exemplo, pode chorar a perda e seguir adiante. As famílias dos desaparecidos, contudo, não veem o fim do seu sofrimento.

É quase impossível para as famílias que não têm certeza sobre a sorte dos seus entes queridos considerar a possibilidade de que eles estejam mortos. Vivem em um estado constante de desespero e esperança. Este estado psicológico é definido pela famosa pesquisadora Dra. Pauline Boss como uma "perda ambígua". Embora os seus entes queridos estejam ausente fisicamente, eles sempre estão presentes psicologicamente e esta mesma ambiguidade tem um custo nas vidas das famílias. Sem uma resposta concreta sobre o desaparecimento dos entes queridos, eles não conseguem compreender a sua situação para poder começar a lidar com ela. Estão simplesmente presos nessa situação.

Explique um pouco mais sobre o programa - como funciona?

O programa tem a finalidade de ajudar as famílias a lidarem com o desaparecimento dos seus entes queridos mediante grupos de apoio psicossocial facilitados pelos especialistas em saúde mental do CICV. As sessões oferecem um espaço comum às famílias para que compartilhem as suas experiências, pensamentos e preocupações.

É muito difícil para as famílias encontrarem alguém que possa compreender a dor que sentem; assim, esses grupos ajudam no consolo mútuo, fazendo com que se sintam menos isoladas. O programa já foi implementado no distrito de Saida e agora também no de Baabda. Permite igualmente que o CICV avalie melhor a situação das famílias e as refira para outros tipos de apoio de organizações locais.

Quais são os planos futuros para este projeto?

A primeira fase do programa, implementada no distrito de Saida, foi muito exitosa. As famílias realmente foram beneficiadas, o que nos incentivou a ampliar o programa para alcançar mais pessoas que precisam desse tipo de apoio.

Isso levou ao lançamento do programa, com a participação de 300 famílias, no distrito de Baabda. Daqui, pretendemos ampliar para mais distritos em todo o país para alcançar o maior número possível de pessoas. No entanto, é importante lembrar que o único modo de ajudar de verdade as famílias é esclarecer a sorte dos seus entes queridos e dar-lhes respostas. É a única maneira de pôr fim ao seu sofrimento. Elas têm o direito de saber.