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Moçambique: como o conflito armado em Cabo Delgado afeta o acesso a serviços básicos como água, saneamento e assistência à saúde?

Milhares de pessoas fugiram dos distritos do norte da província de Cabo Delgado, em Moçambique, e chegaram procurando segurança e oportunidades de subsistência em áreas como Montepuez, onde tem acontecido ataques desde o início do conflito. Essa população adicional representa uma pressão enorme sobre os serviços básicos do distrito, em particular acesso à água e à assistência a saúde, que eram já antes do conflito extremamente precários.

Qual o impacto do projeto do CICV para melhorar acesso à água para comunidades afetadas pela violência em Cabo Delgado? De que forma esse projeto envolveu o sistema de saúde?

O CICV trabalha no desenvolvimento de fontes de abastecimento urbano de água, para estender e garantir o acesso centralizado e sustentável, e evitar que as pessoas dependam de fontes não seguras. Esta melhora do acesso à água é fundamental para melhoraria das condições de saúde pública e proteger as pessoas de enfermidades de transmissão por via da água, endémicas em Cabo Delgado.

Como os efeitos da mudança climáticas influenciam na precariedade de serviços essenciais numa área já com vulnerabilidades?

Além de representar um risco importante para a saúde das pessoas, os poços tradicionais e as fontes de água superficial não protegidas tendem a secar durante a época seca, e a ser veículos de transmissão de doenças como o cólera durante a época chuvosa por conta da ausência de saneamento urbano. As previsões dos efeitos da mudança climática em Moçambique indicam um aumento na duração dos períodos secos, assim como períodos de chuva mais fortes. O único abastecimento de água seguro em contexto urbano é um sistema centralizado com água suficiente e tratada convenientemente desde a fonte até ao consumidor. 

O CICV trabalha em parceria com o FIPAG, instituição pública encarregada do abastecimento urbano que opera o sistema de Montepuez, na concessão das infraestruturas necessárias para reforçar e estender o abastecimento urbano. O CICV colabora também na capacitação do pessoal do FIPAG, para garantir o monitoramento e gestão do sistema, assim como a correta operação e manutenção das infraestruturas.

Sistema de abastecimento de água construído pelo CICV

Para minimizar as consequências humanitárias do conflito em Cabo Delgado, que programas sustentáveis tem implementado para as comunidades afectadas?

Além da prevenção de enfermidades e melhoria das condições de vida das pessoas através do abastecimento urbano de Montepuez, o CICV tem também trabalhado na criação de sistemas autónomos de distribuição de água nas áreas de deslocados em torno da cidade. Em paralelo, o CICV contribuiu o reforço do sistema primário de saúde com a expansão e reabilitação de 4 centros de saúde e o apoio aos serviços de assistência à saúde nesses centros assim como no hospital da cidade. Estos centros de saúde dão assistência a 195,000 pessoas, incluindo 25,000 pessoas deslocadas.

Até que ponto os movimentos das pessoas afectadas em busca de novos refúgios ou retornos para lugares de origem tornam o trabalho do CICV mais desafiador nas áreas de acesso à água e serviços da saúde?

As pessoas deslocadas encontram refúgio em áreas que frequentemente carecem de serviços essenciais, devido a uma falta crónica de investimentos e à deficiências sistémicas e institucionais. O incremento repentino da demanda cria enormes desafios de saúde pública, conflitos entre populações residentes e deslocadas e levam os sistemas ao colapso.

Qual o impacto do sistema urbano de distribuição de Montepuez hoje e no futuro?

Antes do projeto do CICV, em parceria com o FIPAG, o sistema urbano de Montepuez fornecia água apenas a 8% da população, com cortes frequentes e sem garantia de qualidade e sustentabilidade. As populações dependiam consequentemente de fontes de água alternativas, sem garantias de saúde e vulneráveis às condições climáticas.
Através da parceria com o FIPAG, o CICV está a criar infraestruturas modernas que permitirão um abastecimento de água seguro, sustentável, de qualidade, e com custos aceitáveis, para a população de Montepuez, em particular as populações mais vulneráveis. A primeira fase do projeto permitiu atingir 15,000 pessoas em 2022, que aumentarão até 40,000 pessoas em 2023, através de infraestruturas concebidas seguindo a lógica de um plano diretor e dimensionadas para permitir o abastecimento do conjunto da cidade. Numa segunda fase, para a qual o CICV e o FIPAG estão a procurar novos parceiros, será possível a criação de novas estruturas de captação e tratamento de água, assim como as extensões da rede de distribuição necessárias para abastecer o conjunto da população ate 2040.