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Segurança alimentar durante conflitos armados: o que você precisa saber

Durante um conflito armado, a população civil não pode sobreviver muito tempo sem água e alimentos. O conflito armado causa insegurança alimentar tanto pelo modo como as partes escolhem travar suas batalhas quanto, indiretamente, por interromper e degradar os sistemas alimentares.

A especialista jurídica do CICV Abby Zeith explica o que o Direito Internacional Humanitário (DIH) tem a dizer sobre este assunto. 

Como os conflitos armados afetam o acesso da população civil a alimentos e água?

Embora a insegurança alimentar seja provocada por muitos fatores interconectados, os conflitos armados são o principal deles. De acordo com o Relatório Global sobre Crises Alimentares de 2023 (em inglês), os conflitos levaram mais de 117 milhões de pessoas à insegurança alimentar aguda, mais que os choques econômicos (84 milhões) e os extremos climáticos (mais de 56 milhões).

Deixando de lado o aspecto jurídico, sabemos que envenenar poços, queimar plantações ou privar civis de seu sustento de outras maneiras têm sido práticas comuns desde a origem da guerra; além dessas táticas, os conflitos armados também causam insegurança alimentar de modo mais indireto – por exemplo, por aumentar a insegurança de rotas de comércio e transporte, forçar o deslocamento de pessoas e rebanhos ou causar danos à infraestrutura essencial, entre outros impactos.

Tudo isso gera um enorme sofrimento, que vai desde a desnutrição aguda entre grupos de risco até a fome em toda a população. 

O sofrimento é exacerbado quando as partes em conflito empregam pilhagem, cercos ou bloqueios, ou quando atrasam ou impedem a assistência humanitária. Além disso, a presença de restos explosivos de guerra impossibilita o plantio ou a colheita nos campos, o que causa estragos na agricultura e no comércio por muito tempo, inclusive depois do fim das hostilidades.

Andrew Quilty/CICV

O DIH oferece ferramentas para evitar a insegurança alimentar e a fome?

Sim. Em primeiro lugar, é absolutamente proibido fazer com que a população civil passe fome como método de combate. A esse respeito, o Direito Internacional Humanitário estabelece uma lista não exaustiva de "bens indispensáveis à sobrevivência da população civil" que contam com maior proteção: gêneros alimentícios, zonas agrícolas, colheitas, rebanhos, instalações e reservas de água potável e obras de irrigação. É proibido atacar, destruir, remover ou inutilizar esses bens, exceto em circunstâncias muito excepcionais.

Muitas outras normas sobre a condução das hostilidades também se aplicam. Se as partes em conflito tivessem mais respeito por elas ao planejar e realizar suas operações militares, os impactos do conflito armado na insegurança alimentar no mundo poderiam ser mitigados de modo mais eficaz.

Para começar, as normas gerais sobre distinção, proporcionalidade e precauções concedem proteção aos bens de caráter civil. Eles não devem ser alvo de ataque, e o uso de meios ou métodos de combate indiscriminados também é proibido. Se puderem ser previstas, as consequências diretas e indiretas desses ataques para a população civil também são relevantes para a aplicação das normas.

Assim, terras, infraestrutura e outros bens essenciais para garantir a produção, a distribuição e o abastecimento de alimentos e água, como mercados ou usinas, contam com essa proteção, mesmo que os tratados do DIH não se refiram expressamente a eles como um "bem indispensável à sobrevivência da população civil".

Além disso, o DIH proíbe ou restringe o uso de diversas armas que podem provocar impactos negativos generalizados e duradouros na segurança alimentar. Isso inclui a proibição de usar veneno, armas biológicas e armas químicas, restrições ao uso de herbicidas como arma e proibições e restrições ao uso de minas antipessoal, munições cluster e armas nucleares.

Além disso, é estritamente proibido empregar armas e táticas que tenham sido concebidas para causar ou que possam causar danos generalizados, duradouros e severos ao meio ambiente.

Por último, mas não menos importante, todo um conjunto de normas proíbe ataques a represas, diques e usinas nucleares se puderem causar a liberação de forças perigosas que provocariam danos graves à população civil. Obviamente, a liberação de forças perigosas pode causar a contaminação da terra e dos suprimentos de água, destruir a criação de rebanhos e afetar a atmosfera e o clima, aumentando assim o risco de insegurança alimentar e fome. Essas normas são fundamentais para a proteção de civis.

Embora o respeito por essas normas ajude a mitigar os impactos da guerra na insegurança alimentar, é importante lembrar que, mesmo quando as hostilidades são conduzidas em conformidade com o DIH, o conflito armado tem muitos impactos indiretos na segurança alimentar e nos sistemas alimentares. Esses impactos devem ser monitorados de perto para garantir que as pessoas afetadas tenham acesso a alimentos suficientes e de qualidade.

Além disso, existem normas sobre ajuda humanitária que devem desempenhar um papel fundamental na prevenção da insegurança alimentar ou da fome.

Hussein Amal/CICV

Quem é responsável por fornecer alimentos e água à população civil?

Cada parte em um conflito armado é a principal responsável por garantir que as necessidades básicas da população sob seu controle sejam atendidas, o que inclui o fornecimento adequado de alimentos e água. Isso exige uma profunda compreensão dos sistemas alimentares dos quais um país ou comunidade depende e de como a insegurança alimentar e a desnutrição afetam diferentes grupos de diferentes maneiras.

No entanto, o DIH reconhece a necessidade de assistência humanitária em determinadas circunstâncias. O DIH estabelece que organizações humanitárias imparciais podem oferecer seus serviços para realizar atividades humanitárias, inclusive quando uma parte não é capaz de suprir essas necessidades na prática ou não está disposta a fazê-lo.

Uma parte em conflito não pode negar de modo arbitrário ou ilegal seu consentimento para tais atividades. Uma vez concedido o consentimento, as partes em conflito, bem como todos os outros Estados envolvidos, devem permitir e facilitar que a ajuda humanitária chegue de modo rápido e sem obstáculos, de acordo com seu direito de controle.

Mais informações sobre como o CICV responde à insegurança alimentar nos lugares onde trabalha podem ser encontradas aqui.