Artigo

Opinião: Colômbia não terá aprendido com os seus erros caso esqueça os desaparecidos

Neste exato momento, no mundo inteiro, pais, mães, irmãos, cônjuges e filhos buscam desesperadamente algum ente querido de quem não têm notícias. Estas famílias não podem dar início a um processo de recuperação e reconciliação.

A angústia continua por muitos anos, mesmo após o fim de um conflito ou depois de cessada a violência. Estas feridas mal cicatrizadas podem destruir o tecido social e minar as relações entre os países, inclusive décadas depois dos fatos.

Uma sociedade não pode se reconciliar e aprender com os seus erros se não preservar coletivamente a memória do ocorrido.

Há quase 80 mil pessoas declaradas desaparecidas na Colômbia, segundo dados oficiais do Sistema de Informação Rede de Desaparecidos e Cadáveres (SIRDEC).

No entanto, no Registro Único de Vítimas há aproximadamente 160 mil vítimas de desaparecimento forçado (destas, quase 46 mil são pessoas desaparecidas e o número restante, os seus familiares). O drama humanitário é latente e grave.

O processo de paz em Havana entre o Governo e as Farc-EP alimentou a esperança de centenas de milhares de famílias que buscam respostas. Os acordos alcançados até agora - como o expresso no acordo sobre as vítimas do conflito (ver comunicado conjunto n.º 62) - promovem medidas de busca de pessoas desaparecidas e criam, em perspectiva, uma entidade de buscas especializada, que aumenta o anseio dos familiares.

Nesse sentido, o CICV cumpre o seu papel na implementação de medidas imediatas. Começamos o trabalho de receber informações e iniciar a identificação dos lugares de enterro e busca de restos humanos. Não é tarefa fácil. Do total de desaparecidos no país, estas medidas oferecerão respostas a alguns familiares, muito pouco para o número total, mas já é um começo promissor.

Neste contexto de ação, é importante que as partes na Mesa de Diálogo em Havana insistam na natureza extrajudicial dos mecanismos de busca das pessoas desaparecidas; isso permite que haja mais informações que se queira compartilhar e mais probabilidade de se obter informações sobre os desaparecidos.

O fenômeno do desaparecimento é complexo e levará muito tempo para fornecer respostas aos familiares. Mas o caminho, embora longo, está cada vez mais claro.

Sim, é possível prevenir novos desaparecimentos

Respeitar o direito internacional, a integridade e a dignidade de todos os seres humanos, incluindo os que morreram, é erguer uma barreira contra os desaparecimentos.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) promoveram uma série de ações para prevenir os desaparecimentos em tempos de conflitos armados e outras situações de violência, impondo obrigações às Partes ou aos atores que participam das hostilidades.

O DIH impõe deveres de registro de dados dos militares e das pessoas detidas, de comunicar aos familiares das pessoas detidas sobre o seu paradeiro, de dar um tratamento digno aos mortos, entre outras medidas semelhantes.

Mais do que desaparecimento forçado

O desaparecimento forçado de pessoas e o seu uso como estratégia de guerra e mecanismo de intimidação deve ser condenado por todos. Isso não está em questão.

No entanto, de um ponto de vida estritamente humanitário, o elemento mais preocupante é a perda de contato entre uma pessoa desaparecida e a sua família. Acreditamos que aí reside a origem da incerteza, do medo, da angústia e da dor dos familiares.

Além do desaparecimento forçado, a perda de contato também pode ocorrer por outras circunstâncias relacionadas ao conflito armado ou a outras situações de violência: recrutamento, deslocamento forçado, prisões ilegais ou não registradas, morte de pessoas seguida de ocultação do cadáver, tratamento inadequado aos restos mortais, entre muitas outras.

O convite aqui não é para minimizar a importância da gravidade do desaparecimento forçado. O convite que fazemos é para se ter uma alternativa diferente de análise, que possibilite um atendimento mais digno, justo e solidário à dor das famílias.

O tipo de situação que produzem os desaparecimentos, seja de conflito armado ou de violência interna, não deveria determinar a abordagem do problema. O fator determinante que motiva a ação nasce do fato de que os desaparecimentos ocorrem tanto pelos atos de guerra e violência como pela desorganização ou negligência administrativa e pela falta de boa vontade das autoridades públicas ou dos grupos armados.

A compreensão integral do problema, assim como a tomada de medidas de precaução, certamente promoverá a eliminação paulatina das barreiras que hoje impedem que os familiares de pessoas desaparecidas tenham notícias dos seus entes queridos.

Por fim, queremos destacar que, assim como as famílias jamais esquecem os que hoje estão ausentes, no CICV não esquecemos a dor dos que esperam notícias dos seus entes queridos. Continuaremos trabalhando por eles e esperamos que vocês não fechem os olhos para esta realidade.

Por: Daniel Cahen, coordenador do Departamento Jurídico do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) na Colômbia*

*Este artigo é uma adaptação do discurso proferido em Bogotá no dia 2 de maio de 2016 na Universidad Externado de Colombia em comemoração aos 10 anos da Convenção Internacional para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado.