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Violência sexual: uma trágica cicatriz que é motivo de tabu no Sudão do Sul

Gravidez indesejada. Exposição ao HIV. Dor física. Sequelas psicológicas. Risco de isolamento social. Menor probabilidade de casamento. E talvez o pior de tudo: casamento forçado com o perpetrador. Incontáveis casos de estupros relacionados com conflitos ocorreram no Sudão do Sul somente no ano passado, em locais onde houve enfrentamentos.

Fatos e números de janeiro a março de 2016

As potenciais consequências do estupro e de outras formas de violência sexual no Sudão do Sul, sobretudo contra as mulheres (os homens também sofrem ataques), são angustiantes e duradouras. Nem a juventude nem a idade avançada garante proteção contra esses ataques. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) conheceu uma vítima de apenas 4 anos.

Quando os ataques sexuais ocorrem, as vítimas se esforçam muito para dissimular a agressão. Uma vítima de estupro à qual o CICV prestou assistência caminhou dois dias de um campo de refugiados em Gambela, na Etiópia, até uma clínica de saúde no Alto Nilo. Ela já havia perdido o marido no conflito e, antes de empreender a difícil caminhada, precisou conseguir alguém que cuidasse dos seus quatro filhos. Sentiu que devia fazer isso sem contar a ninguém que havia sido estuprada, por causa do estigma que sofreria.

"A violência sexual dilacera comunidades e rompe laços familiares, provocando uma vergonha profunda e níveis devastadores de sofrimento psicológico à vítima", diz Aurore Brossault, a cargo da saúde mental e do apoio psicossocial no CICV no Sudão do Sul. "Como mãe e filho podem manter a mesma relação se a criança foi obrigada a testemunhar o estupro da mãe? É inimaginável!"

Sexual violence in South Sudan.

© Lynsey Addario / Getty Images Reportage

Mesmo se houver assistência disponível nas proximidades – já que não há estabelecimentos de saúde ao longo de amplas áreas do Sudão do Sul –, o estigma social é tão grande que muitas vítimas decidem não procurar ajuda. Muitas delas não sabem que a assistência à saúde pode evitar doenças e uma gravidez indesejada. Temem que não serão tratadas confidencialmente. E há um mal-entendido generalizado: tanto as vítimas como as autoridades consideram que a pessoa que é alvo de violência sexual deve denunciar o caso à polícia antes de buscar ajuda médica.

A educação é importante para evitar a estigmatização. No ano passado, o CICV realizou sessões de conscientização sobre violência sexual para centenas de habitantes do Sudão do Sul, incluindo profissionais de saúde, parteiras, líderes locais, policiais, membros de grupos armados e voluntários da Cruz Vermelha do Sudão do Sul.

Este ano, o CICV tentará abordar a questão do estigma com as comunidades, que serve como uma barreira à prestação de assistência, enfatizando a importância de buscar ajuda o mais rápido possível. O apoio prestado pela organização varia conforme a necessidade das vítimas. Se uma mulher informa um caso em até três dias, a organização pode oferecer tratamento para evitar o HIV, uma gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Após três dias, será possível apenas tratar doenças sexualmente transmissíveis. A ajuda psicossocial é disponível em qualquer etapa.

A proibição do estupro é uma das regras de guerra mais antigas e fundamentais. As Convenções de Genebra o proíbem claramente nos conflitos armados internacionais e não internacionais. O CICV trabalha no Sudão do Sul com grupos armados em todo o território, lembrando quanto à obrigação de não causar danos às vítimas. A violência sexual nunca deve ser uma tática utilizada no conflito.

A organização procura romper o tabu que envolve as vítimas e impede que muitas mulheres, meninas, homens e meninos procurem assistência à saúde e psicológica, que são fundamentais para a sua recuperação.

Destaques da ação do CICV no Sudão do Sul, de janeiro a março de 2016

180 mil pessoas receberam cestas alimentares.
200 mil pacientes foram beneficiados com o apoio a 6 estabelecimentos de saúde.
40 mil pessoas tiveram acesso à água potável.
80 mil animais foram vacinados.
4,3 mil detidos foram visitados em todo o país.
8 mil telefonemas foram facilitados entre familiares no mundo todo.
1,2 mil membros de grupos armados de ambos os lados do conflito foram capacitados em Direito Internacional Humanitário (DIH).