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Pessoas desaparecidas no Brasil: o trabalho do CICV

O desaparecimento de entes queridos é uma realidade para milhares de famílias no Brasil e no mundo. Entenda mais sobre o tema e o trabalho do CICV.

Viver com a ausência é uma realidade dolorosa para familiares de milhares de pessoas que desapareceram e ainda desaparecem, no Brasil, em várias circunstâncias diferentes. Eles convivem, por anos e até décadas, com a incerteza sobre o destino e o paradeiro de seu ente querido. Dedicam-se exaustivamente à busca por respostas e encontram pouco apoio. Neste percurso, enfrentam experiências traumatizantes, de risco, desamparo e incompreensão. Aliviar esse sofrimento é uma das prioridades do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no mundo.


ENTENDA

Pessoas desaparecidas: quem são?

Pessoas desaparecidas são indivíduos sobre os quais as suas famílias não têm notícias e/ou alguém que, com base em informação confiável, que foi dado como desaparecido. No Brasil, a Lei 13812/2019 também estabelece um conceito bastante amplo. As circunstâncias do desaparecimento podem ser diversas: um conflito armado – internacional ou não internacional – outras formas de violência, distúrbios internos, desastres naturais, migração entre outras. O desaparecimento de pessoas está muito mais próximo do que imaginamos e as circunstâncias vão além dos estereótipos, transcendendo realidades políticas, sociais e econômicas. A pesquisa feita pelo FBSP/Datafolha em 2017 mostra que 17% dos brasileiros têm algum amigo, parente ou conhecido desaparecido.

 


A DOR DAS FAMÍLIAS

O que muda na vida dos familiares após um desaparecimento?

A pessoa que desaparece é a primeira vítima. Mas essa tragédia também afeta muitas outras vidas. Os familiares de uma pessoa desaparecida geralmente não descansam até saber a sorte e o paradeiro do seu ente querido – se é que chegam a saber. O seu pesar pela perda e pela falta de notícias é agravado por outras dificuldades, como privações econômicas e trâmites burocráticos. As famílias das pessoas desaparecidas têm necessidades específicas, múltiplas e interconectadas e, enquanto elas não são satisfeitas, as famílias muito dificilmente conseguem reconstruir as suas vidas.

Com o desaparecimento, a vida dos familiares fica em suspenso, enquanto eles dedicam seu tempo, sua energia e seus recursos para buscar por seu ente querido. Essa jornada coloca os familiares em situações de risco e estresse e traz consequências graves, com seu adoecimento físico e mental, além de problemas financeiros, jurídicos e relacionados à convivência familiar e comunitária.

 


Como as famílias de desaparecidos são afetadas?

• Passam a lidar com procedimentos administrativos e judiciais sobre o desaparecimento e recebem pouca orientação e ajuda.
• Precisam, muitas vezes, assumir papeis que eram exercidos pela pessoa desaparecida, como as despesas da casa ou a responsabilidade por menores.
• Arriscam-se e investem os seus – muitas vezes escassos – recursos para fazer busca por conta própria para encontrar os seus entes queridos.
• Sofrem com o afastamento de parentes e amigos, que não compreendem ou não conseguem acompanhar as atividades de busca e a angústia que ela gera a médio e longo prazos.
• O estado de angústia, expectativa e dúvida constante desencadeia quadros de sofrimento psicológico e adoecimento físico, muitas vezes graves.

 


O TRABALHO DO CICV

Ações práticas, sensibilização e acolhimento

No Brasil, o CICV acompanha grupos de familiares de pessoas desaparecidas, a fim de compreender suas necessidades e apoiá-los para que aprendam a conviver com a incerteza da ausência. A partir deste trabalho, é possível desenvolver metodologias de acompanhamento de familiares de pessoas desaparecidas que sejam adaptadas à realidade brasileira.

Conjugando o conhecimento da realidade local com a experiência global, o CICV também oferece recomendações às autoridades brasileiras e apoio técnico em diferentes áreas. 

Todo trabalho é realizado em conjunto com autoridades e com a sociedade civil para auxiliar na melhora das respostas dadas aos familiares e na busca de pessoas desaparecidas.

No mundo inteiro, o CICV trabalha pela implementação da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados e pela adoção de um conceito de desaparecimento que vá além da desaparição ocasionada por ações estatais. Dessa maneira, acredita que os mecanismos para a busca de pessoas desaparecidas e a atenção às suas famílias poderão responder ao sofrimento humanitário às necessidades comuns a todos os casos, independentemente das circunstâncias.

NECESSIDADES DE FAMILIARES DE DESAPARECIDOS

O CICV realizou avaliações de necessidades com dois grupos de familiares de pessoas desaparecidas ligadas a contextos diferentes de desaparecimento. Uma delas, envolveu o grupo de familiares ligados ao caso da "Vala de Perus", relacionado ao período do regime militar [veja o relatório aqui].

Outra avaliação se enfocou no contexto mais amplo, do desaparecimento decorrente de diversas circunstâncias – um contexto presente, que se desenvolve há muitos anos e afeta milhares de pessoas todos os anos [publicação do relatório em breve].

Principais necessidades identificadas nas avaliações de necessidade

  • Necessidade de saber o que aconteceu com a pessoa desaparecida e reencontrá-la (viva ou falecida);
  • Necessidades no âmbito da saúde (física e mental);
  • Necessidade de reconhecimento, tratamento digno e igualitário e justiça;
  • Necessidades legais e administrativas;
  • Necessidades econômicas.

Recomendações

Com a experiência no trabalho com familiares de pessoas desaparecidas no mundo e, especificamente, com os familiares de desaparecidos durante o regime militar no Brasil, o CICV chegou a uma série de recomendações às autoridades brasileiras, a fim de colocar o tema de pessoas desaparecidas em discussão e melhorar o suporte dado aos familiares envolvidos nesses casos. Atualmente, uma avaliação de necessidades de familiares de pessoas desaparecidas em outras circunstâncias está sendo feita em São Paulo.
1. Cumprir com a obrigação de esclarecer o destino e o paradeiro das pessoas desaparecidas e respeitar o "Direito de Saber" dos familiares.
2. Estabelecer um mecanismo nacional para tratar do tema de pessoas desaparecidas e dos seus familiares, que deve liderar e coordenar iniciativas, centralizar e compartilhar informações em relação às pessoas desaparecidas no Brasil.
3. Realizar uma reforma legislativa para definir de forma clara o status jurídico da pessoa desaparecida, bem como os direitos dos familiares das pessoas desaparecidas a política de atenção às suas necessidades (de modo que possam resolver problemas legais ou administrativos relacionados ao desaparecimento).
4. Criar política pública de atenção psicológica e psicossocial, com uma rede nacional de profissionais capacitados, de modo a responder essas necessidades dos familiares de pessoas desaparecidas.
5. Promover coordenação interinstitucional eficiente capaz de realizar uma gestão de dados centralizada e estandardizada sobre pessoas desaparecidas e pessoas falecidas não identificadas ou não reclamadas, assim como uma melhor gestão dos restos mortais não identificados e não reclamados de acordo com padrões internacionais.

Desde agosto de 2013, Mirian dos Santos Almeida não encontra seu filho Alison.

M.Cruppe/CICV

Dalva e Carlos Campioto procuram desde 2007 por uma resposta sobre o paradeiro de seu filho, Leonardo de Souza Campioto.

M.Cruppe/CICV

Maria Carolina Capistrano espera desde 1974 alguma informação sobre o destino do marido, David Capistrano da Costa.

M.Cruppe/CICV

No dia do aniversário de Girliany Costa em 21 de janeiro 2019, Francisco Douglas Barros saiu de casa para tomar banho em um açude perto da casa do avô, em Itaitinga, no Ceará, e não voltou mais.

M.Cruppe/CICV

Robson Roberto da Cruz, filho de Leonardo da Cruz e Izilda Maria Pesolato, desapareceu em junho de 2016, no dia do aniversário de sua mãe.

M.Cruppe/CICV

Lucineide Damasceno busca por uma explicação sobre o paradeiro de seu filho Felipe desde novembro de 2008, quando ele saiu de casa de moto para visitar um amigo e não voltou.

M.Cruppe/CICV

A busca de Ivanise Esperidião por sua filha, Fabiana Esperidião da Silva, começou às vésperas do Natal de 1995.

M.Cruppe/CICV

Lucila Maria França da Costa procura seu irmão Leonardo França da Costa desde outubro de 2013.

M.Cruppe/CICV

Débora Inácio procura seu filho, Kaio, que desapareceu em 2013 após ir a uma festa na casa de amigos e dormir fora.

M.Cruppe/CICV

João Massena Melo, ex-vereador e deputado pelo Rio de Janeiro, desapareceu em abril de 1974.

M.Cruppe/CICV

Grenaldo Erdmundo Mesut nunca conheceu o pai, Grenaldo de Jesus Silva, que desapareceu em maio de 1975.

M.Cruppe/CICV

O jornalista e advogado Jayme Amorim Miranda desapareceu em 1975. deixando a esposa, Elza Miranda, sozinha com os filhos para criar.

M.Cruppe/CICV

Teodomiro Bernardo dos Santos desapareceu em novembro de 1995. Desde então sua irmã, Zélia dos Santos Nasciemento, se mobiliza junto do resto da família para encontrá-lo.

M.Cruppe/CICV

Vilma Teresa Padilha tinha 13 anos em 1972, quando o pai, o caminhoneiro José Padilha Aguilar, desapareceu. Desde então, busca por ele com recursos próprios.

M.Cruppe/CICV

Desde 2004, Maria Rodrigues Santiago, conhecida como Cleide, procura seu irmão. José Ribamar Lopes Santiago.

M.Cruppe/CICV

Rodrigo Correia Santos está desaparecido há mais de sete anos, desde uma sexta-feira de 2012. Desde esse dia, a família faz uma busca incessante em bairros de São Paulo.

M.Cruppe/CICV

O estudante Hiroaki Torigoe desapareceu em 1972. Os pais, agricultores de Piracicaba, em São Paulo, buscaram o filho junto às autoridades e obtiveram a informação de que ele estaria morto. Mas nunca receberam seus restos mortais.

M.Cruppe/CICV

Joel Vasconcelos Santos desapareceu em 1971. Desde então, sua mãe, Elza, começou a busca pelo filho, uma jornada que a acompanhou até o fim da vida.
Paulo Stuart Wright foi deputado estadual de Santa Catarina. Atuante em movimento de esquerda, desapareceu em 1973. Desde então, sua família busca saber seu paradeiro.

M.Cruppe/CICV