Comunicado de imprensa

Acesso à água é cada vez mais uma questão de sobrevivência nas zonas de conflito

Dacar/Genebra (CICV) – O acesso à água é um grande problema em todo o mundo, e a situação é ainda mais grave para centenas de milhões de pessoas que vivem em zonas afetadas por conflito ou violência armada.

"Como os conflitos atuais tendem a durar muito tempo e a ser combatidos em contextos urbanos, o acesso à água tornou-se um dos principais desafios humanitários, agravado pelo impacto das mudanças climáticas. É necessário inovar e fazer novas parcerias para enfrentar esse desafio", alertou o vice-presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Gilles Carbonnier, no 9.º Fórum Mundial da Água, em Dacar.

Além de ter que enfrentar as consequências da violência armada, a população sofre a deterioração dos serviços essenciais. Na Síria, por exemplo, mais de dez anos de conflito afetaram gravemente a produção de água potável, que caiu entre 30% e 40%. E, na faixa do Sahel, a população também sofre as consequências das mudanças climáticas que, em parte, são a causa da escassez de água. Todos esses motivos dificultam ainda mais as condições de sobrevivência de milhões de pessoas em um conflito armado.

Crise hídrica nas cidadess

A urbanização da guerra é uma tendência grave, como se pode ver na Ucrânia. Em Mariupol e em outras cidades, os habitantes que ficam presos em meio a violentos combates se refugiam em porões sem aquecimento. Por não terem água corrente, muitas pessoas bebem água de neve fervida ou água de radiadores.

Quando a guerra se translada para as zonas urbanas, o risco de danos ou destruição de infraestruturas civis essenciais aumenta, especialmente se armas explosivas com uma ampla área de impacto forem utilizadas. Independentemente da intencionalidade do ato que provoca os danos ou a destruição dessa infraestrutura, o CICV relembra constantemente às partes que elas devem evitar o uso de tais armas em zonas povoadas, considerando a alta probabilidade de causar efeitos indiscriminados, que violam o Direito Internacional Humanitário (DIH).

Restrição do acesso à água ameaça a população civils

Em alguns contextos, as partes em conflito assumem o controle dos recursos hídricos e agrícolas. Restringir o acesso à água como tática de guerra ou danificar as instalações de abastecimento de água, de tratamento de águas residuais ou do fornecimento de eletricidade têm consequências negativas imediatas e de longo prazo na saúde pública de pessoas que já estão muito vulneráveis. A falta de água potável é uma das principais causas do deslocamento forçado da população.

É necessário recordar que o Direito Internacional Humanitário proíbe os ataques indiscriminados e os ataques contra bens de caráter civil, incluindo o meio ambiente natural? Qualquer que seja o motivo dos beligerantes, não há justificativa para atacar, destruir, saquear ou inutilizar os "bens indispensáveis à sobrevivência da população civil", e esses atos constituem infrações graves do DIH.

O peso das mudança climática

Dos 25 Estados considerados mais vulneráveis e menos preparados para se adaptar às alterações climáticas, 14 encontram-se em conflitos armados.

Embora o acesso à água nunca seja, em nossa experiência, a causa direta de um conflito armado, a ausência de instituições ou mecanismos que possam servir de árbitro para as tensões e gerenciar os recursos hídricos de forma equitativa pode contribuir para definir a dinâmica da violência e alterar profundamente o tecido social.

Por isso, na região do Sahel, a deterioração e a escassez de recursos, agravadas pelos choques climáticos, geram tensões entre as comunidades por causa do acesso às fontes de água, às terras agrícolas e às pastagens. As mudanças climáticas reduziram as pastagens a um ritmo preocupante, devido à combinação entre os efeitos do aumento das temperaturas e da falta de chuvas. Soma-se a isso a presença de diversos grupos armados, que coíbem o uso de corredores de transumância.

Evidentemente, o investimento público escasso – ou inexistente – em infraestrutura pública contribui muito para manter disparidades gritantes e tensões perigosas entre as comunidades. Para neutralizar ou mesmo prevenir tais tensões, é necessário dar prioridade ao tratamento e à distribuição de água em países fortemente afetados pelas mudanças climáticas e por conflitos armados.

Proteger o meio ambiente sempre

A questão da água é uma das principais preocupações do CICV. As necessidades são enormes e a urgência é clara: até 2050, a demanda mundial de água deve aumentar 30% .

Em 2021, o CICV respondeu às necessidades hídricas urgentes de mais de 37 milhões de pessoas, apoiando instituições encarregadas do abastecimento de água e do saneamento em áreas afetadas por um conflito prolongado e pelos efeitos das mudanças climáticas.

Deve-se notar que as organizações humanitárias, por si só, não têm a capacidade de responder a necessidades que aumentam permanentemente. Diante da questão crucial da crise hídrica nas áreas afetadas por conflitos, o CICV faz três pedidos aos Estados e à comunidade internacional: 

  • Respeitar o Direito Internacional Humanitário. Os conflitos armados costumam causar danos ao meio ambiente natural, inclusive aos recursos hídricos dos quais a sobrevivência da população depende. O DIH protege o meio ambiente natural como um bem de caráter civil, em particular as fontes de água, bem como os bens indispensáveis para a sobrevivência da população civil, como as instalações de tratamento e distribuição de água. Assim, o respeito pelo DIH pode limitar o impacto dos conflitos armados no meio ambiente natural e reduzir os riscos para as comunidades afetadas, especialmente em relação ao acesso à água.
  • Priorizar e apoiar parcerias eficazes entre setores para garantir que os serviços hídricos sejam resilientes a conflitos e outras adversidades, inclusive às mudanças climáticas. Os Estados, as autoridades locais, as instituições financeiras internacionais, o setor privado e as comunidades humanitárias e de desenvolvimento devem trabalhar em conjunto para apoiar a resiliência destes serviços essenciais e de seus prestadores em períodos de crise.
  • Reforçar a ação e o financiamento climático em Estados frágeis e afetados por conflitos. Embora as comunidades sofram um impacto desproporcional e sejam menos resilientes, a ação climática nos Estados afetados por conflitos armados tem sido escassa devido às dificuldades de trabalhar em ambientes frágeis. Os Estados e os organismos internacionais devem dar mais apoio às medidas de adaptação e preparação nos Estados frágeis, a fim de fortalecer a resiliência das populações às mudanças climáticas.

Os fundos para a ação climática e os doadores bilaterais devem aceitar certo nível de risco para eliminar a diferença de financiamento entre os países afetados por conflitos e os países estáveis. Devem também assegurar que seu financiamento chegue às comunidades mais vulneráveis e isoladas dos Estados envolvidos em conflitos.

Mais informações:

Fiona Barnaby, coordenadora de Comunicação, CICV Dacar, tel: +221 77 529 71 45,
fibarnaby@icrc.org

Halimatou Amadou, responsável de Relações Públicas, CICV, Dacar, tel : +211 78 186 46 87,
hamadou@icrc.org

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