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Afeganistão: número de crianças com paralisia cerebral tratadas em Cabul cresce 50%

Nos primeiros 11 meses de 2022, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) registrou um aumento de 50% no número de crianças com paralisia cerebral tratadas em Cabul, em comparação com o ano anterior. Num contexto em que a insegurança alimentar aguda afeta mais de 20 milhões de pessoas, o equivalente a metade da população do país, o número de novos pacientes com paralisia cerebral tratados no centro de reabilitação física do CICV em Cabul chegou a 1.673 este ano, em comparação com 1.125 no mesmo período de 2021.

"Pobreza, traumas, falta de conscientização médica e falta de exames periódicos das mães, tanto durante como antes da gravidez, são fatores que podem causar paralisia cerebral em bebês", explica o supervisor do departamento pediátrico do centro de reabilitação física do CICV em Cabul, Dr. Murid Ahmad Rasekh. Durante a gravidez, a falta de nutrição adequada e um grande esforço físico (por exemplo, no trabalho agrícola) também podem aumentar a possibilidade de que as crianças sejam afetadas. "Mesmo que não possamos conectar diretamente o aumento do número de pacientes ao agravamento da situação humanitária no Afeganistão, sabemos que mais pessoas têm dificuldade de colocar comida na mesa e que há um aumento indiscutível no número de casos de desnutrição", disse o Dr. Rasekh.

A importância do tratamento precoce

A paralisia cerebral é um distúrbio da primeira infância causado por danos ao cérebro em desenvolvimento. Como resultado, são afetados os movimentos do corpo, o controle, a coordenação e o tônus muscular, além do reflexo, da postura e do equilíbrio. Esta deficiência é uma condição que permanece com a pessoa por toda a vida e é diferente para cada criança. A paralisia cerebral pode ocorrer em três estágios: durante a gravidez, no nascimento ou logo após o nascimento. "Os sintomas variam de criança para criança, mas podem aparecer mudanças em relação à idade, como fraqueza muscular, diminuição do equilíbrio, dificuldades para ouvir, falar, sentar e andar, assim como epilepsia e deficiências visuais, de fala e intelectuais", segundo o Dr. Rasekh.

O supervisor do departamento pediátrico do centro de reabilitação física do CICV em Cabul, Dr. Murid Ahmad Rasekh, examina um paciente com paralisia cerebral. (Abdul Wakil/CICV)

Não há cura conhecida para a paralisia cerebral e qualquer dano ao cérebro é irreversível. Pacientes com paralisia cerebral podem se beneficiar de tratamentos de apoio, como a fisioterapia, que é fornecida gratuitamente nos sete centros de reabilitação do CICV no Afeganistão. "Esses tratamentos melhoram a qualidade de vida dos pacientes e os ajudam a atingir todo o seu potencial. Quanto mais cedo o tratamento começar, melhor será a chance de ver melhorias", disse o Dr. Rasekh. Ele explicou que, com o tratamento de apoio, crianças com paralisia cerebral podem cuidar de suas necessidades diárias e se tornar mais independentes. O tratamento também evita tensão muscular, deformidade e escaras. "Em geral, facilita a vida dos pacientes e das famílias", disse o Dr. Rasekh.

A maioria das famílias que recorrem aos centros de reabilitação física do CICV não está ciente das causas dessa condição. "Vemos famílias com três ou quatro crianças que têm paralisia cerebral. A maioria dos pais não teve educação formal e enfrenta dificuldades financeiras. Normalmente, eles não sabem o quanto é importante que uma grávida tenha uma boa nutrição e um descanso relativo", disse o Dr. Rasekh.

O Dr. Rasekh faz exercícios de fisioterapia com uma criança com paralisia cerebral no centro de reabilitação física do CICV em Cabul. (Abdul Wakil/CICV)

"Tive que pedir demissão para cuidar da minha filha"

Para as famílias, o cuidado dos filhos muitas vezes traz enormes desafios. Susan, mãe de uma paciente do centro de reabilitação em Cabul, falou um pouco sobre sua jornada. "Minha filha tinha um ano quando começamos o tratamento no centro. Ela está em tratamento há sete anos. Eu trabalhava como professora, mas tive que pedir demissão para cuidar da minha filha. É difícil alimentá-la, vesti-la ou sair com ela. O pai dela trabalhava, mas agora está desempregado. Nossa situação financeira está ruim, porque não temos nenhuma fonte de renda. Comemos quando nossos parentes nos ajudam", contou ela.

Susan disse que os exercícios de fisioterapia e equipamentos que receberam no centro de reabilitação física ajudaram a filha a ganhar certa independência. "Espero que um dia minha filha possa comer, sentar, ir à escola e se virar sozinha", acrescentou.

Um fisioterapeuta ajuda a filha de Susan a se exercitar no centro de reabilitação física em Cabul. (Masoud Samimi/CICV)

A crise econômica no Afeganistão afeta milhões de pessoas, e as famílias de crianças com paralisia cerebral têm dificuldades até para chegar aos centros de reabilitação física. Noorullah, que levou o filho de Khost ao centro em Cabul, contou que a criança recebe tratamento há quatro anos. "Graças à recomendação do médico e aos exercícios regulares, podemos ver uma melhora. Ele recuperou cerca de 20% de suas capacidades", disse Noorullah. Mas o transporte tem sido um obstáculo para eles. "Tive que pedir dinheiro emprestado para alugar um carro e trazer meu filho. A gente deveria voltar em 15 dias, mas não sei como vou alugar um carro de novo", disse Noorullah, único responsável pelo sustento da família.

Noorullah e o filho aguardam a consulta no centro de reabilitação. (Masoud Samimi/CICV)

Por mês, mais de mil pacientes com paralisia cerebral recebem tratamento no centro de reabilitação física em Cabul. São mais de 300 pacientes recém-registrados e cerca de 750 que já estão em tratamento periódico. Embora um grande número de pacientes seja tratado todos os meses, muitos outros precisam de atendimento médico adequado. Atualmente, há mais de 1,2 mil crianças com paralisia cerebral na lista de espera dos centros de reabilitação física do CICV para receber tratamento.

Crianças com paralisia cerebral são tratadas no centro de reabilitação física em Cabul. (Murid Ahmad Rasekh/CICV)