Assembleia Geral das Nações Unidas, 71.ª sessão, Primeiro Comitê, debate geral sobre todos os itens da agenda de desarmamento e segurança internacional. Declaração de Christine Beerli, vice-presidente do CICV.
Tenho a honra de dirigir-me ao Primeiro Comitê hoje para contribuir com a experiência do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) no terreno e o nosso conhecimento de Direito Internacional Humanitário (DIH) para cooperar com questões críticas que serão discutidas aqui.
Para o CICV, os debates sobre armas devem sempre ser considerados indício do custo humano previsível à luz dos estritos limites impostos pelo DIH quanto ao uso de armas.
Os Estados têm uma oportunidade única de tornar esta 71.ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas um momento decisivo para o progresso rumo à proibição e à completa eliminação das armas mais destrutivas inventadas: as armas nucleares.
A comunidade internacional tem agora perante si um indício avassalador dos efeitos terríveis, duradouros e irreversíveis dessas armas sobre a saúde, o meio ambiente, o clima e a produção de alimentos, ou seja, sobre todos aspectos dos quais o ser humano depende para viver.
Trinta anos atrás, com base em indícios anteriores, a Corte Internacional de Justiça (na sua Opinião Consultiva sobre a Legalidade da Ameaça ou Uso de Armas Nucleares) considerou que os efeitos das armas nucleares não poderiam ser contidos no tempo e no espaço e concluiu que o uso dessas armas "em geral seria contrário aos" princípios humanitários e normas do DIH.
Desde então, novas evidências do uso indiscriminado e do sofrimento indescritível causado pelas armas nucleares surgiram e foram apresentadas em três conferências internacional sobre o impacto humanitário das armas nucleares. As evidências incluem uma constatação fundamental dos estudos realizados pelo próprio CICV e também por outras agências da ONU de que não existe capacidade de resposta humanitária adequada para assistir as vítimas das armas nucleares.
As "consequências humanitárias catastróficas de qualquer uso de armas nucleares" foram explicitamente reconhecidas seis anos atrás por todos os Estados partes do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e em diversas resoluções adotadas desde então por uma ampla maioria de Estados no Primeiro Comitê. Essas resoluções incluem o "Seguimento da reunião de alto escalão de 2013 da Assembleia Geral sobre desarmamento nuclear" (em inglês) e sobre "As consequências humanitárias do uso de armas nucleares".
Após reconhecer essas consequências, os Estados agora têm a responsabilidade de tomar uma medida decisiva. E contam com uma oportunidade inédita de fazê-lo ao agirem segundo a recomendação adotada pelo Grupo de Trabalho Aberto da ONU "Levar Adiante as Negociações de Desarmamento Nuclear Multilateral" (em inglês) em agosto com apoio generalizado, de que a Assembleia Geral convoque uma conferência em 2017, aberta a todos, para negociar um tratado "que proíba as armas nucleares, levando à sua total eliminação".
Em 2011, o Movimento Internacional da Cruz Vermelha, do qual o CICV faz parte, fez um apelo a todos os Estados que "insistissem na boa-fé e concluíssem com urgência e determinação as negociações para proibir o uso e a completa eliminação de armas nucleares mediante um acordo legalmente vinculante, com base em compromissos e obrigações internacionais existentes". O Movimento acolhe com satisfação que, cinco anos depois, tais negociações possam se tornar realidade por meio de um processo inclusivo no marco da Assembleia Geral da ONU.
Embora a proibição das armas nucleares seja apenas uma das medidas necessárias para assegurar que elas nunca mais voltem a ser usadas e que sejam eliminadas, é uma pedra fundamental para se alcançar a meta universal de um mundo livre de armas nucleares. Assim como as armas químicas e biológicas, a proibição sem ambiguidades seja ao mesmo tempo o alicerce para o desarmamento e um desincentivo à proliferação. Seria um passo aguardado há muito tempo para cumprir com a obrigação contida no artigo 4 do TNP de buscar medidas efetivas para se alcançar o desarmamento nuclear e reiteradas promessas segundo os Planos de Ação do TNP.
Se alguns Estados não têm condições de participar das negociações para a proibição de armas nucleares, continuamos, no entanto, fazendo um apelo para que tomem medidas interinas urgentes para reduzir os riscos imediatos do uso intencional ou acidental de armas nucleares. Tais medidas incluem reduzir o papel das armas nucleares nos treinamentos e planos militares e reduzir o número de ogivas nucleares em alto estado de alerta. Essas e outras medidas de redução de risco derivam de compromissos políticos de longa data, incluindo o Plano de Ação da Conferência de Revisão do TNP de 2010 e devem ser seguidos com urgência. Considerando-se as consequências humanitárias catastróficas das armas nucleares, qualquer risco de que estas sejam usadas é inaceitável.
O complexo contexto de segurança atual ressalta a urgência de tanto a proibição das armas nucleares como ações para que os Estados com esse tipo de arsenal cumpram com as obrigações e os compromissos políticos existentes, levando à eliminação das armas nucleares de uma vez por todas.
Os debates no Primeiro Comitê destacaram a armamentização e o uso hostil do espaço sideral, com praticamente todos os Estados buscando impedir uma guerra armamentista no espaço sideral. Para o CICV, as iniciativas diplomáticas devem dedicar a devida consideração às consequências humanitárias potencialmente de maior alcance no planeta que resultariam de ataques diretos contra satélites de "dupla utilização" (isto é, aqueles usados tanto para fins militares, como para civis) ou danos incidentais aos satélites civis e os limites já impostos pelo DIH sobre qualquer forma de guerra, incluindo no espaço sideral. O uso da força no espaço sideral – seja ela por meios cinéticos ou não cinéticos, usando armas colocadas no espaço ou na terra – poderia ter efeitos em cadeia sobre a infraestrutura civil, serviços de assistência à saúde e operações que dependem de comunicações via satélite, navegação e sincronização, e redes de imagens. A vulnerabilidade dos sistemas colocados no espaço que atendem atividades fundamentais para os civis na terra representa desafios importantes para as normas do DIH referentes a distinção, proporcionalidade e precauções em ataques, as quais os Estados devem ponderar cuidadosamente nas suas deliberações sobre o espaço sideral.
O CICV está seriamente preocupado com o uso de armas químicas tradicionais e improvisadas na Sírias nos últimos três anos, confirmado pelas missões de apuração de fatos da Organização para a Proibição de Armas Químicas. Ao mesmo tempo em que este uso foi categoricamente condenado pela comunidade internacional, ainda há denúncias de novos usos de armas químicas na Síria e em outros lugares. Nesta sessão do Primeiro Comitê, os Estados devem reafirmar a absoluta proibição do uso de armas químicas e biológicas em qualquer conflito armado por qualquer ator – estatal ou não estatal – seja qual for o tipo de conflito armado. O CICV insta os diversos Estados que continuam for a das convenções sobre armas químicas e biológicas que não demorem em aderir a elas. Segundo essas convenções e o DIH consuetudinário, todos os Estados têm o direito de criminalizar, julgar e punir o uso de armas químicas ou biológicas por parte de qualquer indivíduo sob sua jurisdição ou controle.
Os conflitos atuais e mais recentes – como os da Síria, Ucrânia, Afeganistão, Iêmen, Iraque e Gaza – continuam expondo os efeitos particularmente devastadores de armas explosivas pesadas sobre os civis em áreas povoadas. Bombas e mísseis longos, sistemas de armas de tiro indireto, como morteiros, foguetes e artilharia, lançadores de foguetes com múltiplos canhões e determinados tipos de artefatos explosivos improvisados, são propícios a efeitos indiscriminados quando usados em centros populacionais, devido ao efeito que têm sobre uma ampla área. Além do alto risco de mortes e ferimentos incidentais de civis, as armas explosivas pesadas tendem a causar danos extensivos à infraestrutura civil crucial, desencadeando um "efeito dominó" sobre os serviços básicos interconectados, como assistência à saúde e as redes de abastecimento de água e eletricidade. Isso, por outro lado, provoca mais mortes e deslocamentos de civis. E esses efeitos são exacerbados em conflitos armados prolongados.
Ao mesmo tempo em que não há dúvidas de que o DIH permite que as partes em um conflito armado ataquem objetivos militares situados em áreas povoadas, esse conjunto de normas também limita a escolha dos meios e métodos para fazê-lo, com o intuito de proteger os civis contra danos inaceitáveis. O CICV acolhe com satisfação que um número cada vez maior de Estados estão engajam nessa questão humanitária crucial e os incentivamos a contar como puseram em prática as limitações do DIH no momento de escolher as armas em conflitos urbanos. Reforçamos o nosso apelo aos Estados e partes em conflito armado que evitem o uso de armas explosivas de grande impacto em áreas densamente povoadas, devido à grande probabilidade de que tenham efeitos indiscriminados.
Está claro que o enorme sofrimento humano gerado pelos conflitos armados brutais, sobretudo em partes do Oriente Médio e da África, também é uma consequência do fluxo de armas convencionais às partes beligerantes que desconsideram por completo o DIH. Como o CICV testemunha diariamente nas suas operações no terreno, as transferências irresponsáveis de armas facilitam graves violações ao DIH, incluindo atos de terrorismos e de violência sexual e de gênero. É imperativo que todos os Estados cumpram com o seu dever de assegurar que o respeito pelo DIH quando tomam decisões para transferir armas. Esse dever subjaz as proibições de transferência e avaliações de exportação segundo o Tratado de Comércio de Armas, o qual o CICV insta todos os Estados a aderirem e implementarem de fielmente. Pôr um fim ao fornecimento de armas para partes em conflitos armados que violam o DIH reduzirá o sofrimento humanos e, finalmente, contribuirá para criar as condições para a segurança regional e global.Nuclear weapons.
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