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Cinco conflitos armados na Colômbia: o que está acontecendo?

A época do "pós-acordo" deixou um panorama complexo que levou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) a iniciar um processo de atualização da sua análise jurídica sobre esta situação.

Por um lado, a lacuna de poder que as antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP) deixaram levou a enfrentamentos entre outros grupos armados organizados, como o existente entre o Exército da Libertação Nacional (ELN) e o Exército Popular de Libertação (EPL). Alguns destes enfrentamentos parecem estar aumentando em intensidade e poderiam chegar a constituir novos conflitos armados não internacionais. Por outro lado, diferentes zonas do país estão afetadas por dinâmicas conflitivas relacionadas com grupos armados que reivindicam ser herdeiros das antigas Farc-EP e manifestam a sua intenção de não aceitar o processo de paz.

Este cenário apresenta inúmeros desafios. Talvez o mais significativo de todos seja a falta de transparência quanto às atividades e ao modus operandi de alguns desses grupos, o que dificulta o trabalho do CICV em benefício das vítimas dos conflitos armados e outras situações de violência. De fato, o primeiro pré-requisito para trabalhar em prol das pessoas que sofrem os efeitos da violência é conhecer o marco jurídico aplicável, sobre o qual se assentam as bases para um diálogo que visa proteger a população que padece os seus efeitos.

Como se classificam os conflitos armados segundo o Direito Internacional Humanitário (DIH)?

O CICV tem o mandato de "proteger e assistir as vítimas de conflitos armados e outras situações de violência". Mas o que se entende por "conflito armado" e quais seriam essas "outras situações de violência"? Definir isso com clareza pode ser chave não somente para delimitar a ação do CICV, mas também para determinar o marco jurídico aplicável. Enquanto que os conflitos armados são regidos principalmente pelo Direito Internacional Humanitário (DIH), com as implicações que isso tem, entre outras, na permissividade do uso da força, o restante das situações de violência são regidas unicamente pelo Direito interno e o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).

O DIH faz uma distinção entre conflitos armados internacionais – nos quais dois ou mais Estados se enfrentam – e conflitos armados não internacionais – que ocorrem entre forças governamentais e grupos armados não estatais ou somente entre estes últimos.

Com a finalidade de distinguir entre um conflito armado não internacional e outras formas menos graves de violência (nas quais não se aplicaria o DIH), é preciso avaliar a magnitude desses enfrentamentos, assim como as características dos atores envolvidos. Com base no DIH e na jurisprudência dos tribunais internacionais, o CICV considera que existe um conflito armado não internacional quando os requisitos abaixo são cumpridos:

  1. As hostilidades atingem um nível mínimo de intensidade, que pode ser medido em função de critérios indicativos como número, duração e violência dos enfrentamentos, número de pessoas que participam das hostilidades, e forma como recorrem ao uso da força, tipo de armas utilizadas, número de vítimas e efeitos da violência entre a população civil.
  2. Os grupos não governamentais que participam dos atos de violência estão suficientemente organizados. Os critérios indicativos para estabelecer se esta condição se cumpre seriam a existência de uma estrutura hierárquica e uma cadeia de comando, capacidade de planejar, coordenar e realizar operações militares, capacidade de recrutar e treinar portadores de armas, existência de regras de disciplina interna, capacidade dos comandantes de controlar os membros do grupo e controle territorial.

Cabe destacar que a motivação do grupo armado em questão é irrelevante na hora de estabelecer se existe ou não um conflito armado. Que um grupo enfrente um Estado por motivos políticos, étnicos, econômicos ou religiosos, ou inclusive uma mistura de vários desses fatores, não afeta a aplicação do DIH.

Ao mesmo tempo, os Estados-Partes das Convenções de Genebra reconheceram o mandato do CICV para trabalhar em cenários que não chegam ao umbral de um conflito armado desde exista um determinado grau de violência, cometido por um ou vários grupos, provocando consequências humanitárias para a população.

Tais cenários incluem, por exemplo, distúrbios internos, tensões internas, manifestações com enfrentamentos graves, greves armadas, determinadas formas de criminalidade e outras formas de violência coletiva que não chegam ao umbral de um conflito armado.

Então, qual é a situação na Colômbia?

Hoje em dia, na Colômbia coexistem conflitos armados regidos pelo DIH e outras situações de violência regidas pelo Direito interno e do DIDH. Atualmente, o CICV considera que existem pelo menos cinco conflitos armados não internacionais na Colômbia, quatro entre o governo do país e o Exército da Libertação Nacional (ELN), o Exército Popular de Liberação (EPL), as Autodefesas Gaitanistas da Colômbia (AGC) e as antigas estruturas do Bloco Oriental das Farc-EP que não aceitaram o processo de paz.

Existe também um quinto conflito armado não internacional entre o ELN e o EPL, cujo epicentro é a região de Catatumbo.

Mas o que acontece com outros atores armados que reivindicam ser herdeiros das Farc-EP? Tudo depende de que se possa provar que alguns desses grupos estejam realmente vinculados (por meio de relações hierárquicas ou determinados tipos de cooperação) com os antigos Frontes 1, 7 e 40 das Farc-EP que não aceitaram o processo de paz (e que o CICV já classificou como partes em um conflito).

Nesse caso, seria possível dizer que estes novos grupos também são parte de um dos conflitos armados não internacionais mencionados antes e, por conseguinte, é legítimo utilizar a força contra eles no marco do DIH.

No entanto, na clara ausência de vínculos que permitam adicionar estes atores ao conflito armado não internacional pré-existente entre o governo da Colômbia e os elementos do antigo Bloco Oriental que não aceitaram o processo de paz, seria necessário realizar uma análise individualizada da organização e do nível de intensidade para concluir que o DIH se aplica a tais dinâmicas. Em outras palavras, se um grupo que reivindica ser herdeiro das Farc-EP não tem vínculos reais (isto é, hierárquicos, cooperativos, etc.) com partes de um conflito pré-existente, como poderiam ser as antigas estruturas do Bloco Oriental das Farc-EP que não acolheram o processo de paz, seria necessário avaliar com relação a esse grupo concreto a presença de critérios de classificação mencionados antes, a saber, o nível de organização das partes e a intensidade da violência.

Tudo isso justifica a necessidade de analisar com detalhe a situação factual antes de chegar a qualquer conclusão jurídica. O contrário poderia levar o governo da Colômbia (e outros atores) a incorrerem em um risco de sobreutilização do DIH em situações que não cumprem em realidade com as condições para serem consideradas um conflito armado. Em outras palavras, a força letal poderia ser usada de maneira "permissiva" no conflito armado, algo que poderia ser contrário ao Direito Internacional.

Por último, a Colômbia atravessa outras situações de violência que não chegam ao umbral de um conflito armado e que competem à ação humanitária do CICV, entre elas, cabe destacar determinadas situações de violência urbana em cidades como Medellín, Buenaventura, Cali e Tumaco, assim como o uso da força durante protestos sociais, como no caso das greves agrárias ou manifestações que se tornam violentas.