Artigo

Colômbia: “Como explico para a minha filha que fui violentada?”, a pergunta sem resposta da Sandra

Sandra ficou tonta. Ela acaba de sair da terapia, e lembrar-se de tudo de novo fez com que ela se sentisse mal. Sua filha tem oito meses e é inquieta; só fica calma quando a mãe lhe oferece o seio. Mas, quando a bebê para de chorar, é Sandra que começa a chorar. Agricultora da região do Quíndio, ela foi violentada alguns meses atrás por vários membros de um grupo armado e teve que fugir por causa das ameaças que recebeu.

Esta é a história da Sandra contada em primeira pessoa.

Medo de voltar

"Eu sou do Quindío. Lá eu tinha uma vida tranquila. Tínhamos um sítio com galinhas e frangos; semeávamos milho e árvores frutíferas. Não nos faltava nada. Da noite para o dia, ficamos sem nada, tivemos que começar do zero. Estava sozinha com as minhas duas princesas; elas são o motor da minha vida.

Neste dia, eu estava em casa com a minha filha pequena - a maior estava no colégio. Oito homens armados chegaram à minha casa, os mesmos que três meses antes já tinham passado por ali. Eram quase seis da manhã.

Entraram com violência, foram até a cozinha e jogaram as panelas e os pratos no chão. Eu perguntei o que estava acontecendo e por que eles estavam fazendo aquilo.

Eles me disseram que se eu não colaborasse ia ser pior. E então abusaram de mim. Minha bebê estava ali, chorando. Foi muito difícil passar por isso. Sempre me pergunto: Por que eu?

Pelo menos a minha filha de seis anos não estava em casa... Se tivesse, o que poderiam ter feito com ela?

Depois de terem abusado de mim, eles me disseram que não queriam me ver mais no lugar, que eu tinha que ir embora, e falaram para eu não contar nada a ninguém sobre o que eles tinham feito porque senão ia ser pior. Coloquei algumas roupas das minhas filhas numa malinha e neste mesmo dia parti, sem pensar duas vezes.

'Marcada para sempre'

Tenho tanto medo de voltar para o meu povoado, que nem penso nisso. E se eles ainda estão na minha casa? Não sei o que vou encontrar.

Eu sempre digo que a gente não supera uma coisa dessas. A pessoa fica marcada para sempre.

Eu não queria viver e estava com raiva do mundo. Me sentia horrível, suja.

Você não pode imaginar as noites sem sono. Eu já não tenho mais lágrimas.

Todos os dias, todas as noites, me lembro e choro.

É aí quando me pergunto: Onde está Deus?

Minha filha maior às vezes me vê chorando e me diz: "Mãe, o que aconteceu? Por que nós fomos embora da nossa casa? Por que eu não fui mais para a escola? E eu não posso dizer nada. Não sei o que responder, porque não sei nem o que responder para mim mesma. Tento não estar triste na frente dela e transmitir a imagem de que sou forte".

Embora Sandra não saiba ler nem escrever, ela quer trabalhar para que as suas duas filhas (de 8 meses e de 6 anos) possam ter uma boa educação. CC BY-NC-ND/Rebeca Lucía Galindo/CICV

Confusão e impotência

Não sei ler nem escrever, só um pouquinho. Então não acredito que possa ter uma boa oportunidade de trabalho; quem sabe eu poderia trabalhar em um restaurante.

Quero trabalhar, fazer qualquer coisa, embora eu não tenha ninguém que cuide das minhas filhas. Não quero deixá-las sozinhas. Fico preocupada que o que aconteceu comigo possa acontecer com elas.

 

A única coisa que quero é me levantar e lutar por elas..

Me sinto triste, confusa e impotente quando lembro que fiquei sem nada da noite para o dia.

Algumas pessoas me ajudaram. Uma senhora me viu chorando na rodoviária da cidade e me ofereceu para que eu ficasse na sua casa. Eu limpo o seu apartamento e moro nele com as minhas filhas. Foi como se um anjo tivesse aparecido. No meio de tanta gente má, também existe gente boa.

Para outras mulheres que passaram pela mesma situação eu diria que se apeguem aos seus filhos, e que sim, existem outras saídas e que a gente tem que buscar forças onde puder encontrar. A vida continua... e é uma vida muito linda, quando ninguém faz o mal a outras pessoas.

 

Neste ano, Sandra começou a receber atendimento psicossocial do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). A violência sexual é sempre uma emergência médica e deve ser tratada dentro das primeiras 72 horas depois do abuso.