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COP26 - Reflexões do CICV sobre o Pacto Climático de Glasgow e o caminho até a COP27

Como observador da Conferência sobre as Mudanças Climáticas, realizada em Glasgow, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) acompanhou de perto as negociações e participou de vários eventos para destacar a situação das comunidades afetadas por conflitos armados e a necessidade urgente de incrementar a adaptação climática e o financiamento em zonas de conflito.

A Dra. Catherine-Lune Grayson, assessora de políticas e autora do relatório do CICV sobre os impactos combinados das mudanças climáticas e dos conflitos armados, "When Rain Turns to Dust" (em inglês), comenta os principais resultados da COP26.

Para o CICV, quais eram as principais questões da COP26?

As discussões sobre política climática são importantes para nós porque as mudanças do clima afetam todas as pessoas. No entanto, as comunidades mais pobres e marginalizadas são as mais vulneráveis a seus impactos negativos, e sua capacidade de adaptação a essas alterações é extremamente limitada.

Cerca de 60% dos 25 países mais vulneráveis à mudança do clima também são afetados por conflitos armados e recebem um apoio limitado demais para enfrentar e se adaptar às mudanças que já estão experimentando.

À medida que as temperaturas subirem, a variabilidade e os extremos climáticos só aumentarão as necessidades humanitárias - que já são enormes - nas zonas de conflito, exercendo uma pressão ainda maior sobre as organizações humanitárias e os doadores.

Tínhamos três pedidos fundamentais para a COP26. Em primeiro lugar, que as partes reconhecessem que os países que enfrentam conflitos armados estão extremamente vulneráveis aos riscos climáticos devido à sua capacidade limitada de adaptação. Este reconhecimento é fundamental para ampliar a ação climática nesses lugares.

Em segundo lugar, que cumpram o compromisso de reforçar a ação climática nos países identificados como particularmente vulneráveis pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC), em especial, aumentando o apoio aos países afetados por conflitos armados.

Em terceiro lugar, que assegurem que esta ação conte com o apoio de um financiamento climático adequado ao objetivo.

Com base nesses três pedidos, o que acha dos resultados?

De modo geral, subsistem deficiências significativas em reduzir as emissões e em garantir que a ação e o financiamento climáticos cheguem às comunidades mais vulneráveis, em particular, àquelas que enfrentam conflitos armados e outras situações de violência.

Teoricamente, a maioria dessas comunidades deve ser priorizada, porque muitas delas estão entre os grupos de países identificados pela CQNUMC como os mais vulneráveis às mudanças climáticas: os países menos desenvolvidos do mundo, pequenos Estados insulares em desenvolvimento ou Estados africanos. Na prática, eles são negligenciados devido a obstáculos administrativos, falta de capacidade, insegurança e assim por diante.

Do lado positivo, ficamos contentes porque ocorreram, à margem da conferência, algumas discussões sobre a vulnerabilidade específica das pessoas que vivem em zonas de conflito. Esta área vinha sendo negligenciada há muito tempo. Também ficamos contentes porque a maioria dessas discussões considerava os riscos enfrentados pelas pessoas de forma abrangente, sem se concentrar apenas nos riscos de segurança militar. Um foco tão estreito ignora as consequências humanitárias dessas crises e a diversidade de necessidades que elas geram.

Houve avanços em algumas áreas, com medidas para aumentar o financiamento para a adaptação e o reconhecimento de algumas das necessidades específicas dos Estados frágeis ou vulneráveis. Há mais de uma década, os países prometeram mobilizar anualmente US$ 100 bilhões até 2020 para ajudar os países menos desenvolvidos, os pequenos Estados insulares em desenvolvimento e os países africanos a orientarem-se para as energias renováveis e a adaptarem-se aos efeitos das mudanças do clima.

O Pacto Climático de Glasgow destaca que essas promessas não foram cumpridas e insta os países desenvolvidos a aumentar seu financiamento além da atual meta anual de US$ 100 bilhões, e os doadores prometeram um valor acumulado de US$ 500 bilhões para 2025. A implementação destes compromissos continuará sendo um desafio, e vai ser importante assegurar esforços específicos para garantir que os países afetados por conflitos armados recebam o apoio adequado. Caso contrário, é muito provável que continuem sendo negligenciados.

Qual será o principal foco do CICV nos preparativos para a COP27?

À medida que avançarmos para a COP27, continuaremos trabalhando com o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, outros atores humanitários, vários bancos de desenvolvimento e pesquisadores para fortalecer a ação climática em contextos de conflito armado. Ainda há muito trabalho a ser feito para desenvolver nosso conhecimento coletivo e identificar práticas que funcionem em lugares que enfrentam a violência.

Também intensificaremos nossos esforços para propor recomendações concretas para desobstruir o financiamento climático em contextos frágeis, afetados por conflitos ou violência, que muitas vezes recebem um apoio limitado, apesar de sua alta vulnerabilidade climática.

Esperamos poder potencializar algo desse trabalho na COP27. Continuaremos também instando outras organizações humanitárias a assinar a Carta sobre o clima e o meio ambiente para organizações humanitárias e a garantir que as ações em todo o setor reduzam os impactos das crises climáticas e ambientais.

Especificamente em relação à COP, em nosso papel de observador das negociações, precisamos examinar onde melhor concentrar nossos esforços como um ator humanitário neutro.

Obviamente, acompanharemos com interesse a implementação de compromissos relativos ao financiamento da adaptação climática, bem como as discussões sobre o objetivo global de adaptação e sobre perdas e danos.

É extremamente importante evidenciar em todas essas áreas os desafios específicos que as comunidades que convivem com conflitos armados ou violência enfrentam.

Em suma, a COP26 é um pequeno passo na direção certa. Compromissos mais ambiciosos continuam sendo necessários e devem ser colocados em prática.