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De Israel ao Líbano: ajudar às pessoas que voltam para casa

É uma faixa estreita de terra, entre 100 e 150 metros apenas de comprimento, que se estende ao longo de um penhasco sobre o Mar Mediterrâneo. O lugar é incrivelmente tranquilo, tanto que pequenos animais selvagens vão ali para descansar. E ainda assim está carregado de fortes emoções humanas invisíveis: ansiedade, medo, pena, alegria e esperança. É uma terra de ninguém e a maioria das pessoas que a cruzam não voltam nunca mais. É um lugar onde acontecem as repatriações entre Israel e Líbano. Os representantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) são umas das poucas pessoas no mundo que têm permissão para entrar nesse pedaço de terra e realizar essa tarefa. Eles reúnem pessoas e restos mortais e os levam para casa.

Leva apenas alguns minutos para cruzar a terra de ninguém, mas muitas vezes são necessárias semanas ou até meses para fazer com que isso aconteça.

Neste dia brilhante e ensolarado de verão, os representantes do CICV vieram de Tyre para buscar alguém que retornava ao Líbano vindo de Israel. Os colegas de Tel Aviv levaram a pessoa até a cerca de ferro que separa o território de Israel da terra de ninguém. Depois que os papéis do trâmite são assinados, o indivíduo passa pelo portão acompanhado por um veículo do CICV com uma bandeira tremulando com a brisa marítima. O procedimento acontece rapida e tranquilamente, sem incomodar a paz do lugar. O carro acelera e em minutos está fora da faixa de terra. Após as formalidades na fronteira libanesa, a pessoa é entregue aos representantes das autoridades libanesas na presença de familiares. Outro conjunto de papéis é assinado e o trabalho do CICV termina.

"Já fiz isso tantas vezes que já perdi a conta", conta Ryad Dbouk, que trabalha para o CICV há 33 anos. "Durante as três últimas décadas, participei de centenas de operações de repatriação, mas cada uma é única e me lembro de todas. Detrás de cada repatrição existe a história de uma pessoa, frequentemente com muito sofrimento e dor, já que a maioria dos que foram repatriados se encontravam em terra estrangeira por causa da guerra".

Como Israel e Líbano estiveram anteriormente em guerra, não possuem relações diplomáticas ou doutro tipo. O CICV, portanto, age como um intermediário neutro para a repatrição dos cidadãos dos dois países, vivos ou mortos. Esta função humanitária é apreciada e respeitada por ambas nações.

"Não é por solicitação das autoridades que facilitamos as repatriações, mas exclusivamente por pedido das pessoas que querem ser repatriadas ou das famílias cujos membros morreram no outro lado da fronteira e querem que seus restos sejam levados para casa", afirma Christine Rechdane, responsável pelas operações de repatriação entre Israel e Líbano na delegação do CICV em Beiture. "Antes de realizar uma operação deste tipo, nos asseguramos de que as repatriações têm o total consentimento dos próprios indivíduos ou das suas famílias quando é caso de restos mortais."

"Leva apenas uns poucos minutos para cruzar a terra de ninguém de um país a outro, mas muitas vezes são necessárias semanas ou até meses para que isso aconteça", diz Christine. "Temos de garantir que todos os procedimentos administrativos sejam preparados e respeitados, toda a papelada reunida, traduzida e certificada, todas as autorizações recebidas das autoridades de ambos os lados e todos os movimentos coordenados".

(...) quando você participa de uma operação assim, não consegue ficar indiferente emocionalmente (...) você espera em silêncio que todos que retornam possam finalmente encontrar a paz.

Às vezes, as repatrições requerem esforços logísticos enormes e levam muito mais tempo para serem preparadas e executadas. Em julho de 2008, o CICV facilitou uma entrega de grande proporções de detidos liberados e restos mortais entre Israel e o Líbano. Onze trailers foram utilizados para transportar 199 caixões com os restos mortais que foram entregues às autoridades do Hezbollah e de Israel. Toda a operação levou um dia inteiro, das 9 de manhá até o por-do-sol. Desde o início de 1980, o CICV vem facilitando milhares de repatriações de civis, ex-detidos e restos mortais.

"O nosso papel é muito "técnico" e o procedimento é bem rotineiro", diz Riad. "Mas quando você participa de uma operação assim, não consegue ficar emocionalmente indiferente. Mesmo que o seu rosto não demonstre, lá no fundo você está emocionado todas as vezes. Tem a ver com as pessoas, suas vidas e seus destinos. Você sente a singularidade de cada momento passado nesta pequena faixa de terra escondida dos olhos do mundo e espera em silêncio que todos que retornam possam finalmente encontrar a paz".

Este artigo foi publicado em 26 de junho de 2015 no The Daily Star

Aguardando a chegada dos representantes do CICV do outro lado. CC BY-NC-ND/ICRC/V. Fadeev

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Assinatura dos papéis de entrega. CC BY-NC-ND/ICRC/V. Fadeev

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