Comunicado de imprensa

Diretor-geral do CICV na Ucrânia: preocupação com situação de usina nuclear e acesso a prisioneiros de guerra

Declaração proferida pelo diretor-geral do CICV, Robert Mardini, em coletiva de imprensa no dia 1º de setembro de 2022, em Kiev, na Ucrânia.

Bom dia.

Para mim, é um prazer me dirigir aos meios de comunicação ucranianos e internacionais aqui em Kiev hoje.

Estou na Ucrânia para debater a situação humanitária com as autoridades e reiterar que o CICV está comprometido a apoiar quem precisa. Tenho me reunido com comunidades afetadas pelo conflito armado internacional para que me digam como podemos ajudar melhor. Com a equipe local do CICV, também estou fazendo um balanço de nossa resposta humanitária nos últimos seis meses, que se baseia no trabalho que realizamos na Ucrânia desde 2014, em Donetsk e Lugansk.

Somente esta semana, a sede da Cruz Vermelha Ucraniana em Sloviansk foi atingida e sofreu danos graves, o que é totalmente inaceitável e recorda-nos que a guerra urbana tem um elevado custo para a população civil e a infraestrutura.

Quero expressar minha preocupação com os combates na região da usina nuclear de Zaporizhzhia. É alentador que uma equipe da AIEA esteja a caminho de Zaporizhzhia para inspecionar os danos, porque os riscos são imensos.

Quando locais perigosos são transformados em campos de batalha, as consequências para milhões de pessoas e para o meio ambiente podem ser catastróficas e durar muitos anos. Será difícil, se não impossível, prestar ajuda humanitária caso ocorra um vazamento de material radioativo. Portanto, está na hora de parar de brincar com fogo e tomar medidas concretas para proteger esta usina, além de outras como ela, das operações militares. Um ínfimo erro de cálculo poderia causar uma devastação que lamentaremos por décadas.

Eu gostaria de dar alguns detalhes sobre nosso apoio direto às pessoas na Ucrânia:

Com a Cruz Vermelha Ucraniana e outros parceiros do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, o CICV redobrou suas operações humanitárias desde 24 de fevereiro. A magnitude da resposta do Movimento na Ucrânia e nos países vizinhos não tem precedentes. Gostaria de destacar três áreas em particular:

  • Em um programa conjunto com o Ministério de Políticas Sociais da Ucrânia, fornecemos um total de 1,5 bilhão de grívnias ucranianas (cerca de US$ 40 milhões) em dinheiro a cerca de 300 mil pessoas. Esta assistência financeira se destina a quem mais precisa, como famílias monoparentais, pessoas com lesões causadas pelo conflito armado ou pessoas com deficiência.
  • Trabalhando com responsáveis locais pelo abastecimento de água, melhoramos o acesso à água limpa e potável para mais de 9 milhões de pessoas.
  • E mais de 700 mil pessoas vulneráveis agora têm mais acesso à assistência médica.

Trabalhamos lado a lado com a Cruz Vermelha Ucraniana, e não tenho palavras para elogiá-la o suficiente. Seu trabalho é simplesmente impressionante, mesmo nas condições mais difíceis.

Trabalhando de perto com autoridades locais e nacionais, a equipe de nossas organizações e os muitos voluntários da Cruz Vermelha Ucraniana ajudaram comunidades em todo o país, entre outras coisas, com treinamento de primeiros socorros em abrigos antibombas e fornecimento de alimentos para pessoas deslocadas.

Mas esse apoio supre apenas uma parte das necessidades que nossas equipes veem todos os dias. Com nossos parceiros, continuaremos fazendo o melhor possível.

Gostaria de dizer algumas palavras sobre um assunto muito importante, os prisioneiros de guerra:

Até o momento, só conseguimos visitar algumas centenas de prisioneiros de guerra de ambos os lados, mas sabemos que há milhares de outros a quem precisamos ter acesso. Continuaremos exigindo acesso a todos os prisioneiros de guerra, de acordo com nosso compromisso humanitário e nosso mandato conforme as Convenções de Genebra.

Já passou um mês desde o indignante ataque à prisão de Olenivka. Apesar das intensas negociações nos bastidores, o CICV ainda não recebeu as garantias necessárias para visitar os prisioneiros de guerra e verificar suas condições. Estamos trabalhando intensamente para mudar isso.

Ontem, eu me encontrei com familiares de prisioneiros de guerra, e alguns estão há meses sem notícias de seus entes queridos. Fiquei profundamente comovido com suas palavras, suas emoções e com as histórias que contaram. A importância do papel do CICV de reconectar famílias separadas nunca foi tão clara para mim.

Desde fevereiro, conseguimos dar notícias de seus entes queridos a mais de 3 mil famílias. Este trabalho dá esperança às famílias e é um imperativo humanitário absoluto.

Partilho a frustração das famílias que, angustiadas, esperam alguma notícia. As famílias têm o direito de saber o que aconteceu com seus entes queridos, se estão vivos, feridos ou mortos. Muitas já esperaram ansiosamente por seis longos meses e precisam de respostas já. Estão impacientes, assim como nós.

Como diretor-geral do CICV, reafirmo agora para todas as famílias de prisioneiros de guerra nosso compromisso total e inabalável: o CICV não deixará de pressionar com persistência e determinação até obter acesso e informações sobre seus entes queridos. Essa demanda é urgente e inegociável.

Com acesso a prisioneiros de guerra, podemos monitorar as condições em que estão e o tratamento que recebem, e solicitar melhorias. Podemos ajudá-los a manter contato com seus entes queridos.

Recentemente, por exemplo, facilitamos o transporte de mais de mil cartas de militares em cativeiro da Rússia para a Ucrânia, onde serão entregues a seus familiares pelo Departamento Nacional de Informações.

Tanto a Ucrânia quanto a Rússia têm a obrigação jurídica, de acordo com a Terceira Convenção de Genebra, de facilitar este trabalho essencial. Mas mais do que uma obrigação, isso é o certo, o ético. E beneficia ambos os lados.

Sei que as pessoas têm dúvidas sobre o papel do CICV na Ucrânia e considero importante esclarecer o que nós, como organização, podemos e não podemos fazer.

Não podemos impor as normas aplicáveis nem neste, nem em nenhum outro conflito armado. Isso é responsabilidade das partes, especialmente num conflito armado internacional, inclusive em território ocupado. Gostem ou não, cabe às partes em conflito cumprir as normas com as quais concordaram.

O CICV, como organização humanitária, não tem como obrigar governos e militares a agir. Nós não temos armas. Não somos políticos.

No caso da siderúrgica Azovstal, o CICV facilitou a evacuação segura dos combatentes, em coordenação com as partes no conflito armado. Como eram prisioneiros de guerra nas mãos do adversário, registramos suas informações considerando que o CICV seria autorizado a visitá-los posteriormente. No entanto, não podemos garantir a segurança dos prisioneiros de guerra uma vez que estão nas mãos do adversário, porque isso simplesmente não está ao nosso alcance.

Queremos que se saiba que, longe dos olhos do público, levantamos questões com as partes, e fazemos isso de maneira direta e firme. Também oferecemos continuamente nosso apoio como intermediário neutro para facilitar acordos de natureza humanitária entre as partes. Em conformidade com nosso mandato e nossas modalidades de trabalho, fazemos tudo isso de modo bilateral e confidencial. O impacto desse trabalho nem sempre é visível, e pode demorar para que haja avanços.

Nossa confidencialidade não é incondicional. Falamos publicamente quando a abordagem bilateral não funciona e quando acreditamos que isso é o melhor para as pessoas afetadas pelo conflito armado. No entanto, primeiro concentramos nossos esforços no diálogo com as partes. A experiência nos mostra que essa abordagem rende frutos.

Por último, antes de abrir para perguntas, gostaria de reiterar o quanto estes últimos seis meses foram mortíferos para a população civil e devastadores para a infraestrutura civil básica. Hospitais, shoppings, escolas, pontes, apartamentos, estações de trem e lares foram danificados ou destruídos em inúmeras ocasiões. O combate danificou os sistemas de abastecimento de água, energia e gás, instalações médicas e escolas. Isso é particularmente doloroso para as muitas crianças que hoje não têm uma escola aonde voltar.

Tudo isso ressalta os riscos inerentes aos combates urbanos. O uso de armas explosivas com uma ampla área de impacto contra alvos militares em áreas povoadas pode violar o Direito Internacional Humanitário, que proíbe ataques indiscriminados e desproporcionais. Vi com meus próprios olhos as consequências terríveis e duradouras desses combates em cidades como Aleppo, Sadá e Mossul. Os ataques à infraestrutura civil e a serviços essenciais têm um efeito incapacitante na vida da população e nos bens de caráter civil. Eles devem ser interrompidos imediatamente na Ucrânia.

É por isso que o Direito Internacional Humanitário existe. Ele estabelece as normas que se aplicam a conflitos armados internacionais para proteger a nossa e as próximas gerações. Mais do que simples regras, as Convenções de Genebra são expressões de nossa humanidade comum e a última rede de segurança para a dignidade em meio à devastação dos conflitos armados. Continuaremos defendendo seu cumprimento e pressionando com disposição e determinação para que esses valores sejam respeitados.

Obrigado.

Pode haver pequenas discrepâncias entre a versão escrita e a proferida.  

Para mais informações, entre em contato com press@icrc.org