Artigo

Guerra cibernética e Direito Internacional Humanitário

Não é preciso ser um especialista em segurança cibernética para saber que, em nossas sociedades altamente interconectadas e digitalmente dependentes, tudo o que funciona com uma interface de Internet é vulnerável a ameaças cibernéticas provenientes de qualquer lugar do mundo.

Pedimos ao especialista do CICV em guerra cibernética e Direito Internacional Humanitário, Tilman Rodenhäuser, que nos ajude a entender: a) o que está em jogo nos intensos debates intergovernamentais atuais sobre as ameaças existentes e potenciais no ciberespaço; b) de que maneira a aplicação do Direito Internacional Humanitário (DIH) – também conhecido como normas da guerra ou direito internacional dos conflitos armados – a operações cibernéticas militares pode ajudar a evitar as consideráveis ameaças às quais os civis estão expostos; e 3) por que as questões relativas ao mundo cibernético dizem respeito a todos os Estados.

1. Por que as operações cibernéticas militares são uma preocupação humanitária?

Os ciberataques e suas consequências estão no topo da agenda internacional. Nossa preocupação, como organização humanitária, é que as operações cibernéticas militares também estejam se tornando parte dos conflitos armados de hoje e possam interromper o funcionamento da infraestrutura e dos serviços vitais para a população civil.

Por exemplo, os sistemas de saúde estão cada vez mais digitalizados e conectados, embora com frequência desprotegidos, e portanto particularmente vulneráveis a ciberataques. Muito frequentemente, em conflitos armados as redes de abastecimento de água e energia ou os hospitais são atingidos por bombardeios, e os serviços funcionam de maneira parcial, no melhor dos casos.

Imagine o que aconteceria se além disso houvesse um incidente cibernético. As consequências poderiam ser devastadoras. Os civis que hoje estão em meio a conflito e violência já enfrentam dificuldades suficientes para que sua situação piore ainda mais.

Por outro lado, dependemos cada vez mais de tecnologias novas e digitais para apoiar os programas humanitários. Por exemplo, quando capturamos e utilizamos informações para fundamentar e adaptar respostas ou quando facilitamos a comunicação bidirecional entre o pessoal humanitário e os civis afetados por conflitos ou violência. Mas isto também nos torna vulneráveis a operações cibernéticas, que poderiam afetar nossa capacidade de prestar assistência e proteção durante emergências humanitárias.

Também observamos um risco crescente de danos intencionais ou não intencionais às populações afetadas, em particular mediante o uso (indevido) de dados pelas partes beligerantes ou a difusão de informações incorretas, desinformação e discurso de ódio.

Embora alguns Estados tenham reconhecido publicamente que recorreram a meios cibernéticos em apoio às suas operações militares, estima-se que mais de 100 Estados tenham desenvolvido ou estejam desenvolvendo capacidades cibernéticas militares. Felizmente, operações cibernéticas durante conflitos armados não ocorrem em um vácuo jurídico: são regidas pelo Direito Internacional Humanitário (DIH).

2. Quase todos os dias ouvimos falar de "ciberataques". Quando o Direito Internacional Humanitário se aplica a essas operações?

De fato, inúmeras operações cibernéticas acontecem diariamente. Desde crimes cibernéticos e espionagem cibernética até o que muitos denominam "operações patrocinadas pelos Estados". A maioria delas não é regida pelo DIH: este se aplica somente às operações cibernéticas executadas no contexto de um conflito armado.

O certo é que a possibilidade de que o DIH se aplique a operações cibernéticas é um tema controvertido no âmbito dos atuais processos encomendados pelas Nações Unidas a respeito. Mas a controvérsia diminui quando falamos com quem se vincula com o tema na prática. Nesse âmbito, quase ninguém questiona a aplicabilidade do DIH às operações cibernéticas durante conflitos armados. Do contrário, acabaríamos em uma situação absurda na qual atacar um hospital com um míssil seria proibido pelo DIH, mas essa proibição não protegeria os computadores, os equipamentos médicos e as redes do mesmo hospital contra os perigos de um ciberataque.

Em nossa opinião, o direito é claro a esse respeito: o DIH limita as operações cibernéticas durante conflitos armados do mesmo modo que limita o uso de quaisquer outras armas, meios ou métodos de guerra, novos ou tradicionais, em um conflito armado.

A Corte Internacional de Justiça também adotou essa postura.

Uma questão mais complexa é se uma operação cibernética pode, por si só, deflagrar a aplicação do DIH. Em relação aos conflitos armados internacionais, o consenso é que "existe um conflito armado toda vez que se recorre à força armada entre Estados". Mas quando esse ponto é alcançado em situações envolvendo operações cibernéticas nas quais não há destruição nem danos físicos a instalações militares ou civis? Isto ainda não está claro.

3. ¿A "guerra cibernética" diz respeito apenas aos Estados tecnologicamente avançados?

Não, e nem deveria. O ciberespaço, por natureza, é altamente interconectado. Por isso, os ataques realizados no ciberespaço contra um Estado podem afetar muitos outros, de forma deliberada ou acidental, onde quer que estejam.

Observamos essa dinâmica nos últimos anos, quando o malware se espalhou de forma rápida sem poupar praticamente nenhum Estado, paralisando órgãos governamentais, empresas e centros de logística, o que provocou bilhões de dólares em perdas e reparações. Em tempos de conflito armado, esses efeitos indiscriminados e globais das operações cibernéticas militares podem ser evitados, ou pelo menos limitados, se houver respeito pelo DIH.

A regulação eficaz de operações cibernéticas durante conflitos armados, portanto, é uma preocupação de todos os Estados, sem importar seu nível de desenvolvimento tecnológico, suas capacidades cibernéticas militares ou sua participação nesses conflitos.

4. O Direito Internacional Humanitário atual é adequado e suficiente para ser aplicado no ciberespaço, ou é necessária uma nova convenção específica?

Uma das grandes vantagens do Direito Internacional Humanitário (DIH), tal como enfatizou a Corte Internacional de Justiça, é que foi formulado de tal maneira que se aplica "a todas as formas de guerra e todos os tipos de armas", incluindo "as do futuro".

As normas básicas são simples: é proibido atacar civis e bens civis; armas e ataques não devem ser utilizados de maneira indiscriminada; ataques desproporcionais são proibidos; os serviços médicos devem ser respeitados e protegidos.

Os mesmos princípios e normas – incluindo os princípios de humanidade, necessidade militar, distinção, proporcionalidade e precaução – se aplicam a todas as operações militares, sejam elas cinéticas ou cibernéticas, e devem ser respeitados

No entanto, algumas questões ainda geram grande debate entre Estados e especialistas, de modo que precisam de esclarecimento. Por exemplo, há um desacordo sobre se os dados civis – próprios do ciberespaço – merecem a mesma proteção que os bens civis. Essas diferenças sobre interpretações jurídicas sempre existiram, independentemente dos questionamentos à aplicabilidade do direito como tal.

A decisão sobre se uma é ou não necessária uma nova convenção para o ciberespaço excede a questão do uso de operações cibernéticas durante conflitos armados: abrange um espectro muito mais amplo de questões relativas ao direito internacional.

Em nossa opinião, caso novas normas sejam formuladas para regular operações cibernéticas durante conflitos armados, elas devem partir da estrutura jurídica em vigor e fortalecê-la, em particular o DIH. E, até que novas normas sejam formuladas, toda operação cibernética durante conflitos armados deverá cumprir as normas existentes do DIH.

5. O Direito Internacional Humanitário legitima a militarização do ciberespaço e a guerra cibernética?

Não. Afirmar que o DIH se aplica a operações cibernéticas durante conflitos armados não legitima a guerra cibernética, do mesmo jeito que não legitima qualquer outra forma de guerra.

De fato, esse medo sobre a possível legitimação da guerra surgiu em reiteradas ocasiões em discussões intergovernamentais. Mas os Estados abordaram esse temor em 1977 ao declarar, no preâmbulo do Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de 1949, que nenhuma disposição do Direito Internacional Humanitário pode "ser interpretada no sentido de legitimar ou autorizar qualquer ato de agressão ou qualquer outro uso da força incompatível com a Carta das Nações Unidas".

O Direito Internacional Humanitário e a Carta das Nações Unidas são distintos, mas complementares. Concretamente, a Carta da ONU proíbe o uso da força a menos que se trate de legítima defesa ou uma situação autorizada pelo Conselho de Segurança. Também exige que as controvérsias internacionais sejam resolvidas por meios pacíficos. No entanto, caso tenha início um conflito armado, o DIH será aplicado a fim de estabelecer as proteções essenciais para bens civis e para pessoas que não participam (civis) ou que tenham deixado de participar (por exemplo, soldados feridos ou detidos) das hostilidades.

O DIH não substitui nem deixa sem efeito a Carta da ONU; acrescenta, mais propriamente, um nível de proteção para todas as vítimas da guerra no lamentável caso de que uma guerra tenha início.