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Lamentar os desaparecidos três décadas depois

Trinta anos depois do fim da crise de Bougainville, as mulheres de Bougainville Central, em Papua Nova Guiné, ainda levam as cicatrizes emocionais de dez anos de conflito. Muitas perderam maridos, filhos, sobrinhos e pais. O conflito armado travado durante os anos de 1988 a 1998 entre o governo de Papua Nova Guiné e as forças separatistas do Exército Revolucionário de Bougainville causou deixou 20 mil mortos, muits dos quais permanecem desaparecidos.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) apoia a população local de Bougainville durante o Dia Internacional dos Desaparecidos ao proporcionar-lhes um lugar para se reunirem para compartilhar as suas histórias e lamentar a perda dos seus entes queridos. Este ano, uma pequena, mas significanante cerimônia foi realizada no cais de Loloho em Arawa, onde há relatos de perda de centenas de vidas durante a crise.

Para as mulheres de Bougainville Central, não poder dar o merecido descanso aos seus familiares desaparecidos é uma realizada dolorosa com a qual vivem constantemente. Cerimônias como essas ajudam a lidar com essa situação.

Scholly Kuarlo, de Panguna em Bougainville Central, representou a sua mãe, que não podia estar presente devido ao seu frágil estado de saúde. "Perder o meu irmão teve um impacto profundo na nossa mãe. Muitas vezes ela se senta sozinha, olhando fixamente para o nada. Sabemos que está lamentando a morte do seu flho amado e fazemos o possível para consolá-la. A informação que temos é que ele foi morto em algum lugar em Torokina depois de ter sido acusado de espiar para as Forças de Defesa de Papua Nova Guiné, mas não sabemos se foi realmente verdade."

O filho de Monica Bera tinha apenas 20 anos quando perdeu a vida. "Era o meu primogênito. Às vezes me sento e penso que se estivesse vivo poderia ter sido policial, médico ou empresário. Ainda sinto muito a sua falta". Monica usa o Dia Internacional dos Desaparecidos como uma oportunidade para se reunir com outras mulheres de Bougainville que passaram por experiências parecidas de perda e, portanto, podem compartilhar e conversar sobre os familiares desaparecidos. "Saber que todas compartilhamos a mesma dor alivia o nosso sofrimento."

Pauline Taveka perdeu o marido durante a crise. Ela ainda não sabe onde estão os seus restos mortais. Sozinha para criar três filhos, ela descreve a sua jornada como cansativa e desafiante. Pauline se esforça para pagar a escola dos filhos com o pouco que ganha com a colheita de cacau. "Não tenho ninguém para me ajudar na horta e trabalhar na platanção de cacau. Às vezes algum parente me dá uma mão, outras vezes trabalho sozinha." A cada obstáculo que enfrenta, Pauline pensa em como a vida da sua família teria sido mais fácil se o seu marido, pai das criançcas, não tivessse sido levado embora.

Naomi Taniung perdeu um sobrinho durante a crise. Os mantimentos eram escassos na sua famíllia e, por isso, decidiram que o sobrinho dela, que era jovem e solteiro, atravessaria para a província de Gizo, na Ilha Salomão, para comprar comida. Era uma atividade comum durante a crise devido ao bloqueio que o governo de Papua Nova Guiné impôs sobre os alimentos. "Quando voltava, o barco no qual viajava foi atacado e o perdemos no mar. Os sobreviventes nos deram a notícia."

Alberta Mane guarda a foto do marido em um envelope amarelo, normalmente escondido na sua maleta. Ela a trouxe hoje para lembrá-lo. A foto, embora tenha muitos anos, ainda parece tão clara e visível como no dia em que a tiraram. Alberta perdeu o marido no início da crise. Ela se senta aqui ao lado do sobrinho e do neto. "Para mim já passaram mais de 30 anos. O tempo curou as minhas feridas, mas não tirou o meu marido o meu coração. Ainda me aferro com carinho à lembrança dele." Como todas as pessoas, Alberta nunca viu o corpo do marido e epesra que o Governo Autônomo de Bougainville e o governo de Papua Nova Guiné possam trabalhar em conjunto para ajudar as famílias que estão buscando os restos mortais dos seus entes queridos perdidos durante a crise.

O CICV apoia os moradores de Bougainville na comemoração do Dia Internacional dos Desaparecidos todos os anos. O evento deste ano foi realizado no cais de Loloho, em Arawa, onde as pessoas de aldeias vizinhas se reúnem para celebrar a ocasião.