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Conferência de Doadores para a Síria: Discurso proferido por Peter Maurer

Discurso proferido por Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, na Conferência de Doadores para a Síria, em Londres

Excelências,
Senhoras e senhores,

Quando os meus colegas chegaram a Madaya, três semanas atrás, Fatma, uma menina de seis anos, foi até eles e disse: "Estávamos esperando que chegassem. Vocês trouxeram comida?" Todas as pessoas com as quais os meus colegas conversaram, centenas de pessoas, desnutridas, com a pele pálida, esverdeada, perguntavam: "Vocês trouxeram comida?"

Qualquer um que tenha ido à Síria conhece a extraordinária hospitalidade da sua população e o seu grande orgulho. Para que uma menina de seis anos se aproxime a um estranho para pedir comida mostra, resumidamente, o que a crise fez com o espírito da população síria.

Como chegamos a essa situação?

A resposta é alarmantemente fácil: constantes violações ao Direito Internacional Humanitário, uso de armas ilegais e uso ilegal de armas, uma epidemia de cercos, guerras urbanas que destroem a infraestrutura de luz e água, ataques deliberados contra escolas e hospitais que levam a uma total pane no sistema, obrigando a mais da metade da população síria a abandonar as suas casas.

Quase quatro milhões e meio de sírios fugiram para o exterior, sendo a grande maioria nos países vizinhos à Síria. Mas o dobro de pessoas - o dobro! - cerca de oito milhões de pessoas - está deslocada dentro da Síria, até que o próximo ataque as obrigue a fugir uma vez mais. Essas pessoas precisam de ajuda, precisam de proteção; precisam que as senhoras e os senhores trabalhem para a proteção delas com urgência.

Deixem-me esclarecer uma coisa: os ataques contra civis não são danos colaterais. Os bombardeios contra os civis são uma prática comum de guerra na Síria - mas isso não a torna aceitável. Ao mesmo tempo que os frontes praticamente não se moveram nos últimos anos, o sofrimento da população civil surgiu. O Direito Internacional Humanitário em toda a sua dimensão visa proteger as pessoas contra ataques diretos e indiscriminados; contra a violência cega; contra a dor inaceitável. Esse conjunto de leis não proscreve a guerra ou a estratégia, mas sim a criação deliberada de catástrofes humanitárias, como a que vemos hoje na Síria.

Também chegamos a esse ponto devido à falta de ação política e ambição para resolver a crise. A atenção internacional prevalece sobre o investimento político para encontrar uma solução duradoura para a crise, o que permitiria que a população retome as suas vidas, com segurança e dignidade. Ao mesmo tempo, a ajuda humanitária está se tornando uma moeda de câmbio nas negociações políticas.

No ano passado, o CICV e o Crescente Vermelho Árabe Sírio ajudaram a mais de 16 milhões de pessoas dentro da Síria, mas não conseguimos chegar a todas as pessoas e, no caso daquelas que conseguimos ajudar, o que fizemos não era sequer suficiente.

A ajuda humanitária é sempre apenas um paliativo e nunca é suficiente. Porque a realidade é que o acesso às pessoas é restrito; as cidades estão sitiadas; estimamos que quase meio milhão de pessoas estejam completamente isoladas do mundo. Enquanto isso continuar, as pessoas carecerão de alimento e ficarão fracas. Elas não têm combustível para se aquecer, portanto adoecerão. Elas não têm remédios, portanto ficarão ainda mais doentes. E como elas não têm hospitais, no final, morrerão.

Como saímos dessa situação?

Senhoras e senhores,

Levantem os cercos imediatamente.

Fatma não está aqui hoje, mas no nome dela, gostaria de lhes dizer:

  • Comecem a colocar os sírios em primeiro lugar e os seus interesses em segundo.
  • Encontrem uma solução política urgentemente.
  • Enquanto isso, garantam que o Direito Internacional Humanitário seja respeitado pelas senhoras e pelos senhores e pelos seus parceiros, quem quer que sejam.
  • E permitam que tenhamos acesso de modo a levar alimentos e remédios para Fatma e todas as outras crianças, mulheres e homens na Síria.

Precisamos que as senhoras e os senhores mostrem uma maior ambição política para abrir espaços humanitários e menos ingerência política no trabalho humanitário.

O Movimento da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho é, de longe, o principal ator humanitário na Síria hoje. Em cinco anos, 58 colegas nossos morreram enquanto tentavam salvar vidas. Os nossos princípios - neutralidade, independência e imparcialidade - são os mesmo de sempre. O CICV e o Crescente Vermelho Árabe Sírio podem fazer mais, juntos, porém precisamos ter acesso desimpedido e precisamos do seu apoio. Os parceiros do Movimento também precisam do seu apoio para ajudar a mais sírios na região e fora dela.

Senhoras e senhores,

Quando os meus colegas estavam prontos para ir embora de Madaya, há três semanas, depois de descarregarem alimentos, cobertores e remédios, uma família os parou. Haviam preparado uma refeição e disseram: "Vocês nos salvaram. Vocês têm de comer conosco".

Asseguremos que a dignidade, o orgulho e a generosidade da população síria sobreviverá.

Obrigado