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Peter Maurer faz um apelo aos Estados: "respeitem as normas da guerra”

Declaração de Peter Maurer, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)

Senhor Secretário-Geral,
Senhoras e senhores,

Acabo de voltar esta manhã de Mogadíscio, Somália. Poderia ter sido do Afeganistão, Síria ou Iêmen. Do Sudão, do Sudão do Sul, da região do Lago Chade ou de muitos outros lugares. A mensagem teria sido a mesma: agora, mais do que nunca, as respectivas bases das nossas organizações, a saber, o Direito Internacional Humanitário (DIH), os Princípios Fundamentais do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a Carta das Nações Unidas, requerem uma reafirmação clara pela comunidade internacional.

Este é o motivo pelo qual nos unimos, pela primeira vez, para fazer um apelo conjunto aos Estados e outros atores envolvidos nos conflitos armados a respeitarem e protegerem o princípio de humanidade. Esta decisão reflete uma grande preocupação por parte de ambas as instituições para a qual gostaríamos de chamar a atenção dos líderes políticos: entramos em uma nova era e ela não é pacífica.

É uma era de conflitos armados prolongados, adicionados a um mundo em guerra. As causas são complexas. As consequências são de longo alcance. As implicâncias humanitárias são enormes.

É uma era na qual a comunidade internacional aceita tacitamente, com demasiada frequência, o impacto nocivo da guerra nas pessoas como um fato dado. Isso é completamente inaceitável e em contradição com as normas e princípios que datam de vários séculos.

Se os Estados, outros atores em conflito e a comunidade internacional como um todo não agirem com responsabilidade agora, haverá outros milhões mais de vítimas. Isso significa redobrar os esforços para alcançar soluções políticas e, dependendo dos resultados, assegurar que os princípios e o direito humanitário sejam respeitados.

Atualmente, os conflitos armados destroçam vastas regiões do mundo. Milhões de pessoas estão expostas à violência e vivem com água, alimentos, abrigo e serviços em quantidades e qualidade abaixo do mínimo adequado. Milhões de crianças estão fora da escola. Hospitais são atacados e pacientes, médicos, enfermeiros e profissionais humanitários são mortos. O deslocamento provocado pelos combates e violência é crônico, alcançando níveis sem precedentes. Isso é inaceitável.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) estipula limites nos conflitos. Guerras sem limites são guerras sem fim. E guerras sem fim significam sofrimento interminável.

Quando os princípios de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência são aplicados, os profissionais humanitários podem operar mesmo nos contextos de guerra mais tensos, perigosos e voláteis.

Trabalhamos para a proteção dos civis contra o impacto das armas e para o tratamento humano dos detentos. Assistimos comunidades com a distribuição de água, comida, abrigo e serviços de saúde.

Fazemos isso protegidos pelas normas e princípios. Quando estes são desrespeitados, quando as necessidades humanitárias são forjadas pelas agendas políticas, quando o acesso aos feridos e doentes é negado e quando as preocupações com segurança levam à suspensão das operações, as pessoas são abandonadas, a noção de proteção perde o seu significado e a humanidade é desprezada.

Pedimos aos Estados que reafirmem a nossa humanidade compartilhada mediante ações concretas e mantenham a sua responsabilidade para respeitar e fazer respeitar o Direito Internacional Humanitário (DIH).

Pedimos aos Estados e aos grupos armados não estatais que protejam os civis em conflitos armados ao respeitar os princípios de distinção, precaução e proporcionalidade e ao condenar o uso de armas ilegais e o uso ilegal de armas, especialmente em áreas densamente povoadas. Devem cessar os atos que causam a inanição, o estupro e outras formas de violência sexual, as execuções sumárias e o tratamento desumano e degradante de detidos.

Pedimos aos Estados e aos grupos armados não estatais que protejam os estabelecimentos e os profissionais de saúde, como estipulado especificamente pelo Direito Internacional Humanitário (DIH).

Pedimos aos Estados e aos grupos armados não estatais que reconheçam os princípios humanitários que orientam as atividades do CICV, em especial a necessidade de estabelecer um diálogo com todas as partes em conflito.

Pedimos aos Estados e aos grupos armados não estatais que facilitem, e não impeçam, a prestação de assistência humanitária e as atividades de proteção.

No meio do conflito, a humanidade é abandonada com demasiada frequência.

Mas no meio do conflito, existem também a esperança, uma imensa compaixão e a solidariedade, o que torna possível imaginar e trabalhar em prol de uma era distinta.

Setenta anos desde a criação das Nações Unidas para manter a paz e a segurança internacionais e cinquenta anos desde a adoção dos Princípios Fundamentais do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, o mundo está num ponto de inflexão.

Daqui a cinco semanas, a 32ª Conferência Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho reunirá representantes de 196 Estados em Genebra, durante três dias, em torno de uma agenda vibrante e promissora. Alguns meses depois, a Cúpula Humanitária Mundial será realizada em Istambul. Esses dois eventos representam oportunidades únicas para os Estados converterem o Direito Internacional Humanitário (DIH) e os Princípios Fundamentais em ações significativas e para renovar um contrato de humanidade que beneficiará milhões de pessoas afetadas por conflitos armados no mundo inteiro.

Muito obrigado.