Declaração

A vigência das Convenções de Genebra nos mostra o que é possível

Declaração do presidente do CICV, Peter Maurer, no evento paralelo de alto nível “70 anos das Convenções de Genebra: investir na humanidade por meio do multilateralismo”

Peter Maurer, presidente do CICV

Presidente, ministros de Relações Exteriores,

Obrigado por sua participação entusiasmada no evento de hoje sobre o 70.o aniversário das Convenções de Genebra, e especialmente pela participação dos nossos coorganizadores China, África do Sul e Suíça.

Aceitas universalmente por todos os Estados, as Convenções de Genebra garantem que haja humanidade na guerra. As normas pragmáticas são baseadas nas realidades do campo de batalha e concebidas para proteger e respeitar a vida e a dignidade humanas. As Convenções não legitimam nem prolongam a guerra; ao invés disso, ao reduzir o sofrimento, elas ajudam a preparar o terreno para a paz.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o mundo testemunhou os enormes custos humanos de um conflito que saiu completamente do controle. Os autores das Convenções de Genebra procuraram garantir que a história não se repetisse, deixando ao mundo um valioso legado de proteção durante o conflito.

Depois de 70 anos, devemos nos perguntar: em que âmbitos a comunidade internacional pode assegurar maior proteção aos civis nos conflitos atuais?

O CICV acaba de concluir uma nova análise dos desafios legais contemporâneos nos conflitos, que será lançada antes da 33.a Conferência Internacional da Cruz vermelha e do Crescente Vermelho. O relatório examina áreas importantes.

Hoje destacarei duas questões fundamentais nas quais a comunidade internacional pode estabelecer um melhor equilíbrio entre a ação militar e a humanidade.

Em primeiro lugar, a guerra urbana está criando um padrão alarmante de danos civis. Com cerca de 50 milhões de pessoas afetadas, está claro que muitas partes beligerantes ainda não adaptaram a sua escolha de armas e táticas às vulnerabilidades únicas das áreas povoadas.

Basta olhar para as cidades arrasadas de Aleppo, Taiz e Mossul para constatar a devastação causada pela guerra urbana.

Em particular, o uso de armas explosivas tem um amplo impacto em áreas povoadas, expondo crianças, mulheres e homens comuns, além da infraestrutura, a um alto risco de danos indiscriminados.

As partes devem fazer mais para garantir que se tomem todas as precauções possíveis para proteger os civis e os bens civis dos impactos dos ataques – tanto os danos diretos como os indiretos.

Pois sabemos que, quando o Direito Internacional Humanitário (DIH) é respeitado, vidas são salvas, hospitais e escolas continuam funcionando, o fornecimento de água e eletricidade se mantém e os mercados podem abrir. Menos pessoas são deslocadas, retrocessos no desenvolvimento são interrompidos e a estabilidade geral é reforçada.

Observamos um crescente reconhecimento dessa questão no mundo inteiro: semana passada, o secretário-geral da ONU e eu fizemos um apelo aos Estados e partes dos conflitos para que evitem o uso de armas explosivas de amplo impacto em áreas povoadas.

Além disso, sinto-me encorajado pela dinâmica criada entre os Estados para elaborar uma declaração política que estabeleça limites, normas comuns e políticas operacionais sobre essa importante questão.

Quanto aos riscos que surgem em função das tecnologias, deixem-me dizer o seguinte: armas cibernéticas, sistemas de armas autônomas e inteligência artificial já estão presentes nos conflitos atuais, e prevemos que o seu uso crescerá de maneira exponencial nos próximos anos.

Coletivamente, enfrentamos um momento crítico para garantir a proteção humanitária. Sem dúvida, o DIH se aplica ao desenvolvimento e uso de novos tipos de armas e avanços tecnológicos na guerra, mas as suas novas características levantam questões sobre como cumprir as normas.

Queremos que as decisões de vida ou morte na guerra, e que a grave e unicamente humana responsabilidade que envolvem, sejam delegadas a softwares, algoritmos, máquinas?

O sentimento público tem sido relativamente claro sobre essa questão. Pesquisas mostram uma oposição significativa e reiterada ao uso de sistemas de armas autônomas, com uma forte consciência de que os humanos devem tomar as decisões de vida ou morte.

O CICV trabalha com os Estados na aplicação dos conceitos básicos do DIH nesses novos campos, e pedimos que mantenham um diálogo aberto conosco sobre essas importantes questões. O mundo não pode perder a chance de proteger a humanidade nessas novas fronteiras.

Caros colegas,

Devemos estar atentos à proteção contra a erosão do Direito Internacional Humanitário (DIH) e adotar medidas para corrigir comportamentos prejudiciais. Sem dúvida continuam existindo padrões de violações contínuas, cujas consequências são devastadoras não apenas para indivíduos e famílias, mas para comunidade e a estabilidade de regiões inteiras.

Por outro lado, quando respeitado, o DIH reduz o risco de danos físicos e sociais a comunidades no longo prazo.

O DIH é defendido em muitos fóruns internacionais. É a pedra angular do treinamento de muitas forças armadas, e existe um forte apoio público à humanidade na guerra. Há diversos exemplos positivos da sua implementação diária:

Dezenas de milhares de detidos têm mantido contato com as famílias; prisioneiros de guerra têm sido libertados e repatriados; e restos mortais têm retornado aos familiares.

Cada vez mais, as forças armadas investem na redução de mortes e ferimentos de civis.

O número de vítimas de minas antipessoal caiu drasticamente, e a desminagem dos campos prossegue à medida que os Estados Partes do tratado sobre minas terrestres implementam as suas obrigações.

Grupos armados não estatais assumiram compromissos contra o recrutamento de crianças durante as hostilidades e contra a violência sexual.

E diariamente serviços de saúde de governos e forças armadas tratam inimigos feridos com base exclusivamente na necessidade médica, sem levar em conta a filiação política, religiosa ou de outro tipo.

A vigência das Convenções de Genebra nos mostra o que é possível quando os Estados tomam medidas individuais e coletivas para fazer respeitar a lei e os princípios humanitários.

Como em 1949, priorizar a proteção humanitária continua sendo uma questão de vontade política. Neste aniversário, pedimos a todos os Estados que fortaleçam o legado da proteção – que vigiem as suas responsabilidades legais e continuem a adotar medidas práticas para uma interpretação ambiciosa e uma plena implementação do DIH.